22 agosto 2009
Nem o pai morre...
Quando ele chegou ao pé de mim vinha de semblante transtornado. Pudera! Segundos antes, tremelicando e arrastando vagarosamente os pés no alcatrão escuro, acabara de fazer uma faena à morte, evitando in extremis a frente escura de um carro que circulava, quem sabe, em velocidade excessiva. Sentou os seus noventa e quatro anos numa cadeira junto a mim, que sem saber o que lhe dizer, gracejei sobre um disparate qualquer. Ele olhou-me nos olhos e interrogou-me bem alto: "-Porque é que o homem não me leva? O que ando cá eu a fazer?". "Que disparate!", disse-lhe eu sem grande veemência. "Há meia dúzia de anos eu dava um salto daqui a esta parede", disse-me enquanto atirava a grossa bengala contra a dita. Levantei-me, apanhei-lhe a bengala que ainda me pareceu tingida de um verde raiva. "Então? Vamos lá... Ninguém aqui morre antes de almoço!", "Quer ler as gordas?" e passei-lhe o jornal que folheava sem sequer ler. "Eu já nem vejo, para que é que eu quero o jornal?". "Quer que lhe leia os títulos?". "Para quê? Para você só me ler as notícias do Benfica?"
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2 comentários:
Sabedoria ancestral.
Toma que já almoçaste.
Olha como ele te conhece bem! :)
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