O tipo tombou pertinho de mim, na valeta cheia de erva seca. Nem fui eu que dei com ele, mas sim o cão que farejava o chão à minha frente. Tombar não será o termo mais correcto, ele "arrumou-se" como um trapo que se enrola sobre si mesmo quando lançado ao chão. Um fato de macaco com um homem dentro, outrora quem sabe, o fato, da Lisnave, do homem nada sei a não ser que está ali enrolado como um gigantesco ponto de interrogação, tão grande quanto a minha própria admiração mais aprumada. Aproximei-me. "Precisa de ajuda?". Pergunta parva, um tipo não cai numa valeta porque simplesmente lhe apetece. "Não, está tudo bem...". É óbvio que não pode estar, o homem está claramente em dificuldades. "Deixe-me estar, deixe-me estar, nunca mais Deus me leva". Apetece-me dizer-lhe que enquanto Deus não arruma o expediente, talvez seja melhor esperar numa posição mais confortável, mas contenho-me pela lembrança dos meus amigos do INEM que defendem a teoria de que o humor subtil não resulta com pessoas tolhidas pelas dores. E são capazes de ter alguma razão. Irrita-me a ideia de seguir o meu caminho e deixá-lo ali. "Ouça, eu posso chamar uma ambulância...". "Não, não faça isso, eu daqui a pouco já estou bem...". Contrariado vou seguindo o meu trajecto. O homem levantou uma das mãos e afagou a cabeça do cão que não mais parou de o tentar reconhecer pelo faro. "Eu não posso ir para o hospital, tenho lá três desses e depois ninguém olha por eles e além disso lá não me fazem nada". Tentei uma alternativa, atravesso a rua e abordo um grupo de pessoas que conversam no passeio. "Não se preocupe, ele nunca quer ajuda, acontece-lhe isto com frequência, é um cancro nos intestinos, ele depois lá se levanta e segue para casa". Sinto-me um bocadinho ridículo. Aparentemente toda a gente sabe o que o atormenta, excepto eu mesmo. "Coitado, é viúvo, o filho não quer saber dele..." Assim como uma maldição, a de se ser viúvo e do filho optar por ignorar a respectiva cruz. Volto a casa, devolvo o cão ao seu espaço mas não passa muito tempo sem que me sinta culpado pela ausência. Volto à rua e abeiro-me do homem que se tenta, a custo, reerguer. "Já estou melhor" diz-me enquanto puxa de um cigarro. Acendo-lhe o isqueiro, gesto que recusa energicamente. "Eu tenho, eu tenho, nunca mais Deus me leva...". "E o seu cão, onde está o seu cão? Não vá ele meter-se aí debaixo de algum carro!". Apeteceu-me dar-lhe uma ligeira palmada no ombro e dizer-lhe "Vá com Deus", mais por hábito que por crença, mas como já sabemos o humor subtil não funciona com estas pessoas e mais a mais pareceu-me um desejo extremamente desajustado.
22 setembro 2005
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1 comentário:
Pour de raisons identiques, nous ne voulons pas abandonner le modèle social français qui soigne tout le monde, même si les xénophobes pointent du doit tous les miséreux ne peuvent pas payer leurs soins, les rendent responsables des difficultés de la sécu.
La démocratie libérale USA ou Anglaise ne convient pas à la majorité des Français (Dieu soit loué) et si en Lui des êtres humains trouvent les réponses à leurs doutes ou un peu d’espoir qui les aide à supporter la misère et la souffrance ne rajoutons pas en plus la moquerie ou l’offense à leur croyance.
Bravo pour votre sensibilité et la manière dont vous abordez ce sujet des plus délicats.
Manu
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