17 setembro 2005

Encontrei-te na paragem, no descer e no subir

Na frente do comboio parado na linha, um amontoado de curiosos e mirones de ocasião fazia lembrar um enxame de abelhas pendurado de um ramo de árvore. Na longa fila de carros quase parados na estrada paralela à linha férrea, muitos pescoços se viravam para a esquerda no ensejo de conseguir perceber, quem sabe até entender o porquê de tamanha confusão. Obrigado a parar, baixei os vidros na tentativa de mobilizar para mim um pouco da brisa que se fazia sentir como forma de lidar com o stress da imobilidade. Calhou-me o lugar da primeira fila no espectáculo, com a cabeça do comboio ali mesmo pertinho. Uma ambulância de porta traseira aberta, quase encostada à linha, privava-me de encontrar o que os meus olhos procuravam entre os pés do cacho humano que se apertava entre a ambulância e a máquina. Um homem de bata branca claramente retinta de vermelho, tentava furar entre os presentes. Ao meu lado direito, a fila oposta de trânsito tinha também desistido de circular. Uma família apinhada dentro de uma Ford Transit, quase a conseguir sair em grupo pela janela do condutor, fazia previsões do número de mortos no acidente. O homem da bata branca e manchada passou entre os carros para voltar logo de seguida com um telefone na mão, Num grito histérico que quase me provocava uma síncope, a matriarca da família apontava para o homem como se o mundo fosse acabar naquele instante enquanto gritava "Coitadinhoooooo! Ai coitadinhoooo!". Censurei-a com o olhar mas de nada me valeu. "Tadinhooooo! Está cheio de sangue, tadinhoooo!". O homem da bata e de telefone na mão, olhou para o local da origem do grito e sorriu. Havia algo de estranho naquele sorriso. Depois, ziguezagueou entre os arbustos da berma e abriu a porta de uma carrinha de caixa, em cuja porta e em letras de vinil recortado se podia ler "Transporte de Carnes".

4 comentários:

Ana Ferreira disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Ana Ferreira disse...
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Ana Ferreira disse...

Muito bem contada esta história :) eu já estava a pensar de mim para mim que os portugueses são mesmo voyeurs e que se comprazem em observar a desgraça alheia quando o final me arrancou uma boa gargalhada.+

Anónimo disse...

Bon suspense mais… Morbide !
Manu