Nunca terei sido muito dado a ter fé em coisas que não compreendo. Com muito poucas excepções e uma delas chamava-se Albano Taborda, uma mítica figura da galeria lusitana de "cromos" difíceis. Albano Taborda, para o povo Tarzan, Tarzan Taborda, foi uma figura do meio desportivo português da década de 60. Arrastava multidões a combates de luta livre, uma espécie de wrestling (mas com mais sangue) que se praticou nas portuguesas cidades ao longo desses anos. Um pouco desbocado, arrogante até, fez render a efémera glória mediática conferida pela sua actividade enquanto lutador, mas também pela sua carreira de duplo em grandes estúdios americanos e pelo facto de ter feito uma ou duas temporadas enquanto bailarino do Lido. Conheci-o já tinha uma respeitável idade, não deixando no entanto de ter uma compleição física invejável apesar do peso dos anos. Tendo acompanhado uma colega de trabalho ao seu ginásio de reabilitação física, não pude deixar de sorrir perante o ar sorumbático do local e a vasta galeria de fotos e recortes de jornais em exposição nas paredes. Enquanto estive sozinho na acanhada sala de um andar da Elias Garcia não pude deixar de pensar em como certas coisas quando bem encenadas podem parecer realidades diferentes. Tudo o que conhecia de Albano Taborda tinha-me sido servido pelos jornais e televisões e não era nada prometedor. Mas ali estava eu, a contragosto, a pedido da tal colega que sofrera uma lesão vertebral e a Tarzan Taborda recorria com frequência e inusitada fé. No final de uma dessas visitas fui-lhe apresentado. Uma autêntica metralhadora verbal, depressa me derrubou por KO técnico com o enumerar de todas as suas façanhas, fossem elas verdadeiras ou inventadas, com datas e nomes de adversários tão fantasiosos como estranhos. "Kim Sangrento" ou "Ronny o Quebra Ossos" devem ter feito as delícias de pintores de cartazes ao longo dos anos...
Estávamos já nas despedidas, comigo a fazer sinais à minha colega (onde andas, Teresa?) para uma retirada estratégica quando Tarzan Taborda me perguntou se alguma vez eu tinha tentado resolver um problema de postura que já na altura me era característico. Não achei nada simpática aquela abordagem. Era quase como dizer-me, chapadinho na cara "Oh marreco e não fazes nada por essas costas?". Que não, que nunca tinha feito nada, muito menos ginástica. "Pois deita-te aí nessa marquesa que eu já falo contigo". Não tive sequer hipótese de balbuciar uma negativa. Em poucos segundos estava em posição horizontal com aquele "armário" a olhar para mim e a dizer-me que bastava olhar-me para o topo do externo para perceber que ali havia muito trabalho a fazer. Fui, durante alguns minutos submetido por apalpação à mais curiosa sessão de observação de que tenho memória. Cada osso foi minuciosamente passado em revista, vértebra por vértebra, apenas interrompido por alguns avisos de possíveis situações dolorosas. Cada articulação foi accionada pelas suas mãos, braços e pernas percorridas com detalhe. O final foi absolutamente surpreendente. Uma lista de mazelas, daquelas que todos sabemos quando e onde temos, foi-me apresentada em poucos minutos. E eram bastantes. Concordei mentalmente com cada uma delas. O joelho que "range" desde os tempos do atletismo, o cotovelo com que tentei (em vão) destruir acidentalmente uma porta de um armário mal fechado, o polegar em tempos forçado numa arriscada manobra de salvação do dedo de ficar decepado, pancadas de vária ordem, vestígios de medalhas de uma juventude pouco desportiva mas bastante, a seu jeito, radical. No fim do "checkup" ósseo, uma previsão peculiar. "Dorme sempre com a tua clavícula esquerda tapada, essa ainda te vai dar umas dores fininhas daqui por uns tempos". Neguei a ausência de qualquer coisa que se parecesse com "dores fininhas" na clavícula esquerda, mas lembrei-me de Tarzan Taborda da primeira vez que a meio da noite acordei com uma sensação de incómodo e em que dias mais tarde me foi diagnosticado um problema a requerer uma intervenção cirúrgica. "Mas o pior nem é isso". Franzi o sobrolho como seria de esperar. "Tens uma calcificação exagerada numa das vértebras e isso vai doer-te agora quando fores andar, mas há-de passar, foi apenas das minhas mãos. Isso foi uma punção lombar muito mal feita!". Voltei a negar. Tinha a absoluta certeza de jamais me ter sido feita uma punção lombar, nome que aliás me afastaria da simples hipótese de a deixar fazer... "Se quiseres marcar umas sessões no ginásio, toma lá o meu cartão e telefona-me". Nunca o cheguei a fazer. Apenas, e por mera reserva mental decidi telefonar à minha mãe para esclarecer a questão da punção. "Olha lá Maria Fernanda, aqui o teu filho alguma vez fez uma punção lombar?". "Sim tinhas três meses, foi feita ainda na Maternidade".
Tarzan Taborda morreu ontem vitimado por um ataque cardíaco. Há pouco mais de dois anos, em conversa com um dos mais fantásticos neurocirurgiões que tive a felicidade de conhecer, o Dr. Martins Campos (lembram-se de Filipe Gaidão?), e depois de umas perguntas triviais de informática, feitas com o paciente dentro de uma máquina de TAC, ele disse-me algo que eu já tinha ouvido antes "Basta olhar para o teu externo para perceber que aí há coisa, mas já não há nada a fazer, essa postura há-de desaparecer um dia, provavelmente quando tu mesmo desapareceres..."
Estávamos já nas despedidas, comigo a fazer sinais à minha colega (onde andas, Teresa?) para uma retirada estratégica quando Tarzan Taborda me perguntou se alguma vez eu tinha tentado resolver um problema de postura que já na altura me era característico. Não achei nada simpática aquela abordagem. Era quase como dizer-me, chapadinho na cara "Oh marreco e não fazes nada por essas costas?". Que não, que nunca tinha feito nada, muito menos ginástica. "Pois deita-te aí nessa marquesa que eu já falo contigo". Não tive sequer hipótese de balbuciar uma negativa. Em poucos segundos estava em posição horizontal com aquele "armário" a olhar para mim e a dizer-me que bastava olhar-me para o topo do externo para perceber que ali havia muito trabalho a fazer. Fui, durante alguns minutos submetido por apalpação à mais curiosa sessão de observação de que tenho memória. Cada osso foi minuciosamente passado em revista, vértebra por vértebra, apenas interrompido por alguns avisos de possíveis situações dolorosas. Cada articulação foi accionada pelas suas mãos, braços e pernas percorridas com detalhe. O final foi absolutamente surpreendente. Uma lista de mazelas, daquelas que todos sabemos quando e onde temos, foi-me apresentada em poucos minutos. E eram bastantes. Concordei mentalmente com cada uma delas. O joelho que "range" desde os tempos do atletismo, o cotovelo com que tentei (em vão) destruir acidentalmente uma porta de um armário mal fechado, o polegar em tempos forçado numa arriscada manobra de salvação do dedo de ficar decepado, pancadas de vária ordem, vestígios de medalhas de uma juventude pouco desportiva mas bastante, a seu jeito, radical. No fim do "checkup" ósseo, uma previsão peculiar. "Dorme sempre com a tua clavícula esquerda tapada, essa ainda te vai dar umas dores fininhas daqui por uns tempos". Neguei a ausência de qualquer coisa que se parecesse com "dores fininhas" na clavícula esquerda, mas lembrei-me de Tarzan Taborda da primeira vez que a meio da noite acordei com uma sensação de incómodo e em que dias mais tarde me foi diagnosticado um problema a requerer uma intervenção cirúrgica. "Mas o pior nem é isso". Franzi o sobrolho como seria de esperar. "Tens uma calcificação exagerada numa das vértebras e isso vai doer-te agora quando fores andar, mas há-de passar, foi apenas das minhas mãos. Isso foi uma punção lombar muito mal feita!". Voltei a negar. Tinha a absoluta certeza de jamais me ter sido feita uma punção lombar, nome que aliás me afastaria da simples hipótese de a deixar fazer... "Se quiseres marcar umas sessões no ginásio, toma lá o meu cartão e telefona-me". Nunca o cheguei a fazer. Apenas, e por mera reserva mental decidi telefonar à minha mãe para esclarecer a questão da punção. "Olha lá Maria Fernanda, aqui o teu filho alguma vez fez uma punção lombar?". "Sim tinhas três meses, foi feita ainda na Maternidade".
Tarzan Taborda morreu ontem vitimado por um ataque cardíaco. Há pouco mais de dois anos, em conversa com um dos mais fantásticos neurocirurgiões que tive a felicidade de conhecer, o Dr. Martins Campos (lembram-se de Filipe Gaidão?), e depois de umas perguntas triviais de informática, feitas com o paciente dentro de uma máquina de TAC, ele disse-me algo que eu já tinha ouvido antes "Basta olhar para o teu externo para perceber que aí há coisa, mas já não há nada a fazer, essa postura há-de desaparecer um dia, provavelmente quando tu mesmo desapareceres..."
3 comentários:
Dans ce domaine vous êtes excellent… C’est sans doute la bonne voie.
Félicitations !
Manu
Excelente!
Estou a ficar viciado neste blogue.
Parabéns.
ele há cada coisa!!!
um blog para leitura assidua sem duvida alguma ;)
um abraço [[ ]]
Edgar Libório
Enviar um comentário