20 junho 2006

Não o acordem, por favor

Devo ser, apesar de já não ser nenhum jovem, a pessoa mais nova que está sentada no auditório da Academia da Marinha ao final da tarde de hoje. Oficiais reformados, historiadores, técnicos de hidrografia e simples interessados na matéria ocupam as confortáveis cadeiras do espaço, atenciosamente gerido por praças fardados de uma impecável brancura que pediria meças a qualquer anúncio de Skip. Equipas multidisciplinares vão tentar expor uma brevíssima apresentação, que aqui noticiei em devido tempo, sobre os trabalhos de exploração submarina do espólio do U-963. Poupo ao leitor as penosas citações de títulos académicos com que o presidente da mesa brinda os presentes e fico-me apenas com as minhas dúvidas e com algumas questões levantadas não só pelo documentário (pobrezinho e a saber a muito pouco...) produzido pela SIC e com outras dúvidas mais prementes com material que desconhecia e que não fora apresentado em 2002 no dito documentário.

O comandante alemão, Rolf Wentz escreveu uma carta à equipa de investigação, pedindo expressamente que se não perturbasse o U-963. "Não o acordem por favor, deixem-no dormir no berço". Isto levanta uma tempestade de questões tendo em conta múltiplas contradições detectadas entre as declarações prestadas durante o documentário e alguns factos expressos na carta de Wentz. Os investigadores querem por exemplo saber (e para isso precisam de um contacto visual com o navio) qual é o verdadeiro estado do casco. Se todas as testemunhas visuais declaram que o navio foi afundado pela simples abertura das escotilhas de ventilação em conjunto com o enchimento dos tanques de lastro (versão corroborada pelo Engº Harry Forster -estranho nome para um oficial germânico) porque razão isso ocupou quatro homens da tripulação quando é comum encontrar relatos de que um único homem o poderia fazer a partir da sala das máquinas? Porque razão o U-963 depois de terminada a sua missão principal, a de lançamento de minas a Oeste da Rota das Ilhas Hébridas e quando se dirigia para a quadrícula de patrulha que lhe tinha sido destinada, invoca uma avaria de comunicações (que não o impede contudo de receber a indicação de que a guerra tinha terminado) para derivar para um ponto (impossível de confirmar) no Golfo da Biscaia?.

Apesar de os investigadores não terem desenvolvido este tema serei eu a colocar algumas questões aos oradores sobre a quase absoluta improbabilidade deste destino. Segundo o Comandante Wentz explicita na sua carta, "Foi no Golfo da Biscaia que descartámos os detonadores dos torpedos". Apesar de ser normal esta medida (o Estado Maior alemão indicara aos seus comandantes navais que deveriam entregar-se em porto neutral - na sua maioria portos da América do Sul, dos quais Lisboa não consta - ou proceder ao afundamento dos navios), para mim é absolutamente improvável que o U-963 tenha estado no Golfo da Biscaia, ponto perigosíssimo porque já varrido pelas ondas de radar instalados em barcos e aviões bombardeiros e um autêntico cemitério de U-Boats regressados das patrulhas do Atlântico Sul. Herbert Werner, o único comandante alemão que conseguiu sobreviver a todo o período da Segunda Guerra Mundial, tem sobre este tema uma passagem no seu livro "Caixões de ferro", uma frase deveras esclarecedora quando diz (e cito de memória): "Do norte da costa portuguesa até sair da Biscaia, ninguém dorme. Nenhum homem quer morrer na cama e só descansa verdadeiramente sobre o betão de Brest". Wentz notificou as autoridades portuguesas da rendição da sua tripulação (veio a terra à Capitania da Nazaré) e foi por elas informado que viriam de Lisboa os meios necessários à revista do submarino. Facto não aceite e que terá precipitado o afundamento imediato? Haveria mais gente a bordo? (Rumores, impossíveis de confirmar sem uma visita ao interior do navio, falam de um transporte de prisioneiros, facto que ocorreu com frequência nos últimos meses da guerra). Pode Wentz estar preocupado com esse eventual facto? O comandante afirma no documentãrio da SIC e na carta que nada de pessoal veio de bordo. Nenhum Diário, nenhuma carta, apenas objectos pessoais. Facto raro, nomeadamente a ausência de menções a material de criptografia (que era nos últimos meses do conflito, um autêntico "livro aberto" para a inteligência britânica...).

Admiráveis as imagens de sonar de feixes laterais que permitiram a localização do casco. Não menos admirável a constatação da presença de uma outra massa ferrosa (torre do submarino?) a cerca de 40 metros do corpo em forma de charuto. Impossível para já de confirmar pois as dimensões de pormenor da torre e de uma mina marítima "escapam" ao sonares do Instituto Hidrográfico. O casco está impecavelmente "arrumado" na base de um paredão calcário com mais de 40 metros e pode ter-se separado na queda do abismo, uma vez que não há relatos de demolição. (Surgiu na sala uma teoria de demolição, mas defendi a opinião da separação por queda, dado que não conheço nenhum registo de auto demolição de navios alemães). A minha opinião não terá sido muito bem aceite por alguns dos oficiais e só terei ganho alguns pontos quando perguntei se algum deles teria a coragem de destruir por explosivos um navio sob o seu comando...).
Não me respondem também à questão da localização do afundamento, pergunto-me se o canhão da Nazaré "entalado" entre o vale de Choffet e o Canhão de S.Pedro (a norte) era já assim tão bem conhecido... Assombrosas são as imagens de quatro milhões de pontos cotados que o Instituto Hidrográfico conseguiu com o estudo de sedimentos e trânsitos do Canhão, com a "fotografia" perfeita da estrutura em U e dos seus braços que descem vertiginosamente da costa para o leito do oceano (a 500 metros da praia a profundidade é já de largas centenas de metros).

Há muitas questões a responder, assim haja meios de prosseguir o muito que já foi feito...

1 comentário:

Anónimo disse...

epá...eu queria comentar isto. mas antes tinha que le-lo...