"Passas-me a fita-cola, amor?" O tom melífluo de um matulão de barba fez-me virar a cabeça, não só pela sonoridade, muito mais pelo insólito do único amor que os meus horizontes abarcavam ser um outro homem, não tão impressivo em tamanho mas não menos másculo pelo menos aos meus olhos, se é que os meus olhos me não enganam. Logo a mim que lhes gabava pelos gestos à distância enquanto a minha cabeça tentava recordar-se de heróicos tempos a colar cartazes. Ui, que há quantos anos não colo cartazes, não que isso seja importante, são outros os tempos, muito diferente o ardor de gritar ao mundo que a revolução estava na rua. Aos meus olhos são outras as revoluções, algumas que professo e subscrevo, outras que nem por isso... Aperto contra o meu corpo o amachucado jornal da tarde, descendo um Carmo que já não é o mar de antanho. Ninguém cola cartazes com fita-cola! Seja como for, acreditem ou não, a revolução está na rua.
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Ela, de quem eu desconfiei de ser um ele, entrou na estação com um andar demasiado bamboleante. Escrutinei-lhe o cabelo que me pareceu demasiado brilhante, a base quanto baste que me soou a disfarce. Apenas os dois na estação abafada. Sentou-se, alongando em exagero as pernas embrulhadas em meias que noutra pele passariam incólumes. Há uma troca de olhares, se os meus olhos me não enganam, logo a mim, um sorriso esboçado, não sei que te diga não me és confortável, tanto banco, tanto espaço e vens desafiar-me logo a mim, que verdade seja dita aqui não há mais ninguém. Abro o jornal amachucado sem o ler, estou apenas a fugir ao incómodo e os meus olhos acabam por escorrer para a margem esquerda, mente a descrição, procuro-lhe as pernas em busca da verdade que não me é trazida de bandeja. Os pés, demasiado grandes, demasiado apertados em finas tiras do corpo de uns sapatos de salto assinam e carimbam a traição porque nervosamente dobra as pernas e os esconde debaixo do pequeno banco. Agora sou eu a sorrir, enquanto fecho o jornal que nunca quis ler e me levanto. Ele suspira, abre a mala nervosamente dela extraindo um pequeno estojo que penso ser de maquilhagem. Fala sozinho sabendo que o ouço. "Que pena...".
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Ela, de quem eu desconfiei de ser um ele, entrou na estação com um andar demasiado bamboleante. Escrutinei-lhe o cabelo que me pareceu demasiado brilhante, a base quanto baste que me soou a disfarce. Apenas os dois na estação abafada. Sentou-se, alongando em exagero as pernas embrulhadas em meias que noutra pele passariam incólumes. Há uma troca de olhares, se os meus olhos me não enganam, logo a mim, um sorriso esboçado, não sei que te diga não me és confortável, tanto banco, tanto espaço e vens desafiar-me logo a mim, que verdade seja dita aqui não há mais ninguém. Abro o jornal amachucado sem o ler, estou apenas a fugir ao incómodo e os meus olhos acabam por escorrer para a margem esquerda, mente a descrição, procuro-lhe as pernas em busca da verdade que não me é trazida de bandeja. Os pés, demasiado grandes, demasiado apertados em finas tiras do corpo de uns sapatos de salto assinam e carimbam a traição porque nervosamente dobra as pernas e os esconde debaixo do pequeno banco. Agora sou eu a sorrir, enquanto fecho o jornal que nunca quis ler e me levanto. Ele suspira, abre a mala nervosamente dela extraindo um pequeno estojo que penso ser de maquilhagem. Fala sozinho sabendo que o ouço. "Que pena...".
1 comentário:
Gostos não se discutem, apenas se lamentam :)
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