Existe uma palavra que me arrepia quando leio críticas gastronómicas e a palavra é "amesendação"... Deve haver alguma lei não escrita que impõe aos críticos gastronómicos com devaneios de prémio Nobel de literatura que os obriga a usar vocabulário neo romântico para definir uma mesa posta. E de repente, qual doença transmissível, todos os que escrevem sobre comida parecem infectados por este vírus. As mesas dos críticos gastronómicos nunca estão postas, bem ou mal, estão amesendadas. Isto provoca-me um certo desconforto, superior até ao facto de na mesa não encontrar o meu próprio guardanapo no local próprio. Imagino o crítico nessa ocasião, "desculpe não se importava de me trazer o guardanapo que aqui falta porque que a amesendação não era a mais correcta?". É claro que o bom senso manda que o crítico não diga nada disto, sob pena de perder uns vinte precisosos minutos a explicar ao empregado que há-de ter a desdita de o servir o que é essa tal amesendação. Irrita-me a prosápia dos críticos. A tendência para complicar as descrições. Hoje almocei um bife, não era nada de especial, era um bife. Olhei para a prateleira da despensa e vi uma lata de cogumelos. Quem conhece a minha inabilidade natural para as artes culinárias pensará (e muito bem) que aqui o escriba almoçou um bife com cogumelos. Certíssimo, caro leitor! Porém um crítico chamar-lhe-ia outra coisa, e o termo que usasse para descrever a gaita do bife que almoçou levaria mais tempo a ser descodificado que o bife, lui même, a ser comido. Estava a meio da fritura do bife (um crítico diria que estava a envolver o bife nos calores oriundos do fundo da sertã - que não, frigideira deve ser um termo desactualizado), quando descobri que me esquecera de trazer o pão da padaria. É muito triste um tipo chegar a estas conclusões quando já tem as natas no ponto. É por estas e por outras que a minha cozinha não consta do Guia Michelin embora eu não duvide que os compradores de pão dos restaurantes da moda sejam tipos muito conscenciosos. Para mim, não ter pão a uma refeição, mesmo que o não coma, é uma tragédia. Para um crítico seria uma benção. Abre mundos maravilhosos para os termos franceses, outra moda que me irrita de sobremaneira. Almocei, sem saber, é certo um "Steak Rôti à l'absence du pain aux champignons" o que só me fica bem.O que me vale é que o cliente médio de um restaurante português diria apenas "Fosga-se, não há pão?"
Pequeno glossário de crítica gastronómica:
Serviçal: Pessoa amável e coradinha que serve no espaço de restauração alvo da crítica. Se o serviço não for do agrado do crítico, o serviçal será despromovido a "empregado". Os serviçais nunca têm direito a ver mencionados os seus nomes nos textos das críticas gastronómicas, nem que tenham uma performance profissional absolutamente excepcional. Em compensação, fica muito bem ao crítico dizer que a Dona Rosinha gere os seus domínios (a cozinha, para leigos) com maestria e nível incomum. Na maioria dos casos a Dona Rosinha, proprietária do restaurante, não põe os pés na cozinha (porque isso lhe engordura o cabelo) deixando o serviço a uma loura oriunda de Kiev cujo nome termina em ov.
Cristalaria: Recipiente de vidro onde os críticos bebem. O comum mortal bebe por um copo (os críticos também, mas é muito bem usar termos que deixem o leitor a pensar que estão acima do comum dos mortais).
Degustação: Os críticos gastronómicos nunca comem, degustam. Não confundir com gostar, que é um termo que um crítico tem imensa dificuldade em usar. A grande diferença entre degustar e comer é que isso permite que o leitor pense que um cliente típico de um restaurante consiga comer dezasseis entradas, três pratos de peixe, cinco de carne (um dos quais estará SEMPRE intragável porque esteve demasiado tempo ao lume, mesmo que o escriba não sonhe sequer quanto tempo é que aquela gaita esteve de facto ao calor...) e depois de ainda depenicar oito sobremesas ainda escrever três colunas de texto sobre a refeição.
Isenção: Primeiro dever de um crítico gastronómico. A prova dessa isenção é conhecida, mesmo depois de ter debitado textos eloquentes sobre as dezanove marcas de vinhos que fez descer pelo esófago, está para nascer o primeiro crítico gastronómico que nomeie a marca de café que ingeriu (já deveria saber que um crítico não bebe...) no final da dura tarefa da crítica.
Pequeno glossário de crítica gastronómica:
Serviçal: Pessoa amável e coradinha que serve no espaço de restauração alvo da crítica. Se o serviço não for do agrado do crítico, o serviçal será despromovido a "empregado". Os serviçais nunca têm direito a ver mencionados os seus nomes nos textos das críticas gastronómicas, nem que tenham uma performance profissional absolutamente excepcional. Em compensação, fica muito bem ao crítico dizer que a Dona Rosinha gere os seus domínios (a cozinha, para leigos) com maestria e nível incomum. Na maioria dos casos a Dona Rosinha, proprietária do restaurante, não põe os pés na cozinha (porque isso lhe engordura o cabelo) deixando o serviço a uma loura oriunda de Kiev cujo nome termina em ov.
Cristalaria: Recipiente de vidro onde os críticos bebem. O comum mortal bebe por um copo (os críticos também, mas é muito bem usar termos que deixem o leitor a pensar que estão acima do comum dos mortais).
Degustação: Os críticos gastronómicos nunca comem, degustam. Não confundir com gostar, que é um termo que um crítico tem imensa dificuldade em usar. A grande diferença entre degustar e comer é que isso permite que o leitor pense que um cliente típico de um restaurante consiga comer dezasseis entradas, três pratos de peixe, cinco de carne (um dos quais estará SEMPRE intragável porque esteve demasiado tempo ao lume, mesmo que o escriba não sonhe sequer quanto tempo é que aquela gaita esteve de facto ao calor...) e depois de ainda depenicar oito sobremesas ainda escrever três colunas de texto sobre a refeição.
Isenção: Primeiro dever de um crítico gastronómico. A prova dessa isenção é conhecida, mesmo depois de ter debitado textos eloquentes sobre as dezanove marcas de vinhos que fez descer pelo esófago, está para nascer o primeiro crítico gastronómico que nomeie a marca de café que ingeriu (já deveria saber que um crítico não bebe...) no final da dura tarefa da crítica.
3 comentários:
Contra o meu hábito, aqui vai um comentário que não acrescenta nada: um post que é mesmo um dedo na ferida!
Ah! Mas então a tradição dos grandes autores como Eça e Ramalho? É óbvio que a descrição dos altos prazeres da mesa não pode ser feita duma forma vil e popular... e depois, a literatura tambem é comestível como diria o Luiz Pacheco...:-)
Em minha casa, no Porto, há mais de 50 anos, já se dizia sertã. Frigideira eram as pessoas finas de Lisboa que diziam.
Quanto ao resto, parabéns pelo texto. Apetitoso e muito saboroso!!!
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