23 agosto 2006

De manhã que medo que me achasses feia

"Fugiu... Fugiu de casa e de nós como a areia que se escapa entre os dedos...". Tenderá o narrador a polir a lamparina, a clarear o escuro da frase, quem sabe a encanar a perna à rã. "Fez as malas e desapareceu...". Não é fácil, nunca é fácil sobretudo se for a primeira vez para o declarante que a cara metade emale a trouxa e parta, deixando quem sabe o próprio trouxa e raios a parta. A mim, o narrador da triste memória, apenas me compete alourar a ficção e verter em escrita a voz que escorre do lado mais palpável do desgosto. "Dezanove anos, um dia um homem percebe que acabou, ela foi-se e não volta..." Compete-me testar várias maneiras verbais de dourar a pílula e se não é a mim que me toca a desgraça alheia, algo há que sempre salpica e que por sua vez é minha obrigação fazer chegar ao leitor, nem que seja uma pinguinha. Fazer-lhe chegar um misto de vergonha e dor, umas résteas de desânimo e alegria, burilar palavras e frases para evitar o inevitável. "Foi-se embora, a vaca!".

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