"Olha, pagas-me um gelado? Pode ser daqueles grandes com chocolate e amendoins?". Joana olhou-me nos olhos com a reserva mental de uma criança de quatro anos e sacudiu o porta moedas de plástico onde minutos antes guardara religiosamente algumas moedas escuras, "Tu tens tanto dinheiro, Joana, bem que podias pagar-me um gelado enorme. "Não sei, não sei se e'tas moedas chegam...". "Chegam, claro que chegam, b'ora comer um gelado?". Tá bem, mas primeiro preciso de ir ali fazer uma coisa. Eu, que nunca tinha querido o gelado, apenas provocar-lhe o desprendimento material e apreciar o resultado, dei com ela, minutos passados a jogar matraquilhos com a irmã, as moedas escuras a alimentar a fenda da máquina, gulosa, a fenda e ela a sorverem o prazer dos varões de ferro e das bolas de madeira. "Vamos lá comer o gelado, Joana...". As mãos nervosas, o fecho da carteira de plástico a abrir-se e a mostrar o vazio de onde antes havia moedas. Os olhos a ficarem molhados. "Ga'tei o dinheiro todo...". Então e agora? "Não tens dinhei'o, tu?" Não, não tenho, tu tinhas-me dito que pagavas o gelado. Mais lágrimas. Uma mão em concha e um segredo no meu ouvido. "Deixa, amanhã comemos um dos ba'atinhos, mas preciso primei'o de ver a minha avó, qu'ela dá-me mais moedas..."
17 agosto 2006
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
3 comentários:
Não sei se é mera coincidência, mas os anúncios do google que aparecem neste post são todos relativos a moedas ou dinheiro. Ele há coisas!
Entretanto uma das tuas primitas mais novas, a Patrícia, de quatro anos, utiliza precisamente a mesma técnica para conseguir manter a sua carteira, da Hello Kitty, recheada de moedas. E como tem duas avós e dois avôs, a vida corre-lhe de feição, especialmente nas férias.
Já a Carolina, de dois anos, prefere ir direita ao assunto. Faz uma birra de todo o tamanho se não lhe satisfazem a vontade: "Dado! Dado! Dado!"(tradução: Dado - corneto de morango em linguagem de criança com menos de dois anos) E só depois de estar a lamber o tal corneto de morango é que se cala.
Andas a rivalizar com as cronicas do Lobo Antunes ...
Se algum dia eu chegar aos calcanhares de Lobo Antunes, já posso morrer descansado...
Enviar um comentário