C. está sentada na soleira da porta, carregando o negro luto de demasiados anos. C. domina a vida social da aldeia, porque é na fachada da sua térrea casa que está embutida uma caixa Multibanco, a única num raio de muitos kilometros. "Boa tarde Dª C., a aquecer-se como os lagartos?". "Ai, não me fale em lagartos que estou aqui mesmo ralada..." Eu tenho algum medo destas ralações de gente que está sentada nas soleiras das térreas portas, porque são ameaças à integridade do meu tempo, já de si escasso, sujeito a ter de ouvir ternas preocupações que na maior parte das vezes não têm nenhuma razão de ser. "O meu menino vai à bola e eu fico para aqui com medo, ralada...". Sorrio-lhe, convido-a para ir beber um café, convite que não aceita, mais por decoro que por tino, não vá alguém pensar que aos sessenta anos se está a expor ao público falatório. Despeço-me da preocupada mãe de um cabo de forcados que tem apenas cento e dez kilos e quase cinquenta anos de idade.
05 novembro 2006
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2 comentários:
Ouve lá? O medo será pelo "menino" ou por aquilo de que o "menino" é capaz?
:) :) :)
Parece-me que estou a imaginar o cenário...
4 Dias em Ferreira do Zêzere e freguesias adjacentes trazem alguns personagens como a Sra. Dª C. :)
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