Há poucos dias tinha lido esta passagem nas "Memórias" de José Saramago. Achei-a belíssima e tive de a reler vezes sem conta até que a emoção não me distorcesse a objectividade da leitura. Uma súbita preguiça de a transcrever tomou-me de assalto, até que hoje, ao visitar o Meninos de Colo me permitiu o egoísta Copy Paste.
"Foi só muitos anos depois, quanto o meu avô já se tinha ido deste mundo e eu era um homem feito, que vim a compreender que a avó, afinal, também acreditava em sonhos. Outra coisa não podería significar que, estando ela sentada, uma noite, à porta da sua pobre casa, onde então vivia sozinha, a olhar as estrelas maiores e menores por cima da sua cabeça, tivesse dito estas palavras: "O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer". Não disse medo de morrer, disse pena de morrer, como se a vida de pesado e contínuo trabalho que tinha sido a sua estivesse, naquele momento quase final, a receber a graça de uma suprema e derradeira despedida, a consolação da beleza revelada. Estava sentada à porta de uma casa como não creio que tenha havido alguma outra no mundo porque nela viveu gente capaz de dormir com porcos como se fossem os seus próprios filhos, gente que tinha pena de ir-se da vida só porque o mundo era bonito, gente, e este foi o meu avô Jerónimo, pastor e contador de histórias, que, ao pressentir que a morte o vinha buscar, foi despedir-se das árvores do seu quintal, uma por uma, abraçando-se a elas e chorando porque sabia que não as tornaria a ver."
"Foi só muitos anos depois, quanto o meu avô já se tinha ido deste mundo e eu era um homem feito, que vim a compreender que a avó, afinal, também acreditava em sonhos. Outra coisa não podería significar que, estando ela sentada, uma noite, à porta da sua pobre casa, onde então vivia sozinha, a olhar as estrelas maiores e menores por cima da sua cabeça, tivesse dito estas palavras: "O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer". Não disse medo de morrer, disse pena de morrer, como se a vida de pesado e contínuo trabalho que tinha sido a sua estivesse, naquele momento quase final, a receber a graça de uma suprema e derradeira despedida, a consolação da beleza revelada. Estava sentada à porta de uma casa como não creio que tenha havido alguma outra no mundo porque nela viveu gente capaz de dormir com porcos como se fossem os seus próprios filhos, gente que tinha pena de ir-se da vida só porque o mundo era bonito, gente, e este foi o meu avô Jerónimo, pastor e contador de histórias, que, ao pressentir que a morte o vinha buscar, foi despedir-se das árvores do seu quintal, uma por uma, abraçando-se a elas e chorando porque sabia que não as tornaria a ver."
11 comentários:
É o que faz estar de férias e não ter net em casa, agora já não vou a tempo de colocar esta citação.
Bolas, tenho que arranjar outras!...
;-)
Pedro!
Como eu percebo a tua emoção!
Já agora, obrigado Saramago por este momento.
É muito bonito.
Pois... não confundir a obra com o autor. Neste caso não estou nada a ver o Saramago, homem, autor, a despedir-se de qualquer árvore... Ou será que há um outro Saramago, (tipo avô Jerónimo), escondido dentro do visível Saramago arrogante, mal-educado e presunçoso? Não creio. Muito poucos são os autores que têm uma postura de vida coerente com as suas obras, e Saramago não é um deles com certeza.
Há uma dúvida que me persegue desde o momento em que pela primeira vez conheci o Homem e Autor- José Saramago...Eu sempre fui fã dele, confesso, e quando há uns anos atrás (depois da minha avó ter falecido e me ter deixado a missão de lhe entregar uns textos pequeninos escritos por ela para ele "ter ideias" - missão que ainda não cumpri) soube que ele estava a dar autógrafos na feira do livro fui para a fila - contei-lhe que estava a representar tb a minha avó que o adorava... e ele levantou-se, deu-me um abraço e dois beijos...não acho que um arrogante reaja assim...penso que talvez funcione como espelho para quem realmente assim é...
Não posso perder esta oportunidade de exprimir a opinião contrária ao veneno que desde há um tempo a esta parte se vem instalando face a este Homem magnífico (e sei de outros actos magníficos que ele faz questão de realizar sempre que lança um novo livro...), magnífico autor que tal como outros, autores ou não, teve a pouca sorte de nascer aqui, num país pobre e maioritáriamente deformado como é o nosso.
E venha que vier, que daqui não arredo pé!
É caso para dizer como uma pequena acção pode impressionar tanto uma pessoa. Não lhe ocorreu que o homem quando está numa sessão de autógrafos está entre os seus admiradores. A exposição pública é sempre uma representação e ninguém, no seu perfeito juízo, vai desiludir os seus fãs. São eles que o apoiam e lhe compram a obra. Por outro lado a situação tem algo de paradigmático: para fazer alguém feliz não são precisas grandes acções - basta muitas vezes, na altura certa, uma palavra, um sorriso ou mesmo um abraço e um beijo. É uma das nossas admiráveis características:-)
Quanto ao autor Saramago tenho uma postura que pode parecer comum.
Como forte consumidor de literatura aventurei-me em tempos no "Ensaio sobre a Cegueira". Foi-me emprestado como tantos outros sem tempo limite para devolução.
Tinha todo o tempo do mundo para o ler, embora me sentisse pressionado para o terminar com uma forte vontade de começar outro.
O início foi um choque porque a forma de escrever é bastante diferente do habitual, mas a coisa começou a fluir até que na minha leitura senti uma estagnação forte na acção ou uma sistemática repetição que em nada me agradou.
Decidi então terminar de ler o livro, e não julguem que o terminar implica chegar à última página e ter uma opinião sobre a obra. Significa neste caso que vi a contracapa como a última imagem do livro. Na prática desisti e se hoje me perguntarem se já li Saramago respondo que não...
Quanto ao Homem, não tenho opinião. Nunca tive o prazer de partilhar uns minutos com o próprio para um café e deles retirar uma imagem fiel à minha pessoa.
Arrogantes existem em todo o lado e de repente vem-me à ideia o nome Mourinho, agora até para ser arrogante é preciso saber sê-lo!
Quanto ao excerto é sem dúvida delicioso se bem que deslocaria algumas virgulas!
Este é, sem dúvida, um exemplar excerto.
Para os que sentem mais dificuldade em entrar neste tipo de escrita, e mesmo para os que mudavam umas vírgulas, sugiro a audição de excertos pelo próprio. No Pessoal e Transmissível, salvo erro de 16 de Nov. de 2006, o autor fala deste livro e lê alguns excertos... e as vírgulas, que são marcas de pausa, passam a fazer todo o sentido. Porque é assim que flui a mensagem.
Mas isto digo eu, que eu sou fã...
Depois de mais um copy-paste, é desta que vou iniciar a incursão pelo universo Saramago. Belíssimo.
Fique sabendo que o autor do "Meninos de Colo" é subscritor do "Correio dos Outros". A referência deixa-me lisonjeado... parabéns pelos oito anos e obrigado pelo serviço público à comunidade da maçã.
Abraço
Obrigado Jorge. Abraço
"Todos os nomes"- O mais belo romance de amor que já li até hoje.
O autor, claro, José Saramago.
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