Um qualquer destes dias de anos passados, provavelmente quando a minha mente vagueava sem controlo (parece que alguma vez o teve...) por prados mais verdejantes, fui levado a plantar uma cerejeira no jardim da casa onde habito. A plantação em si não teve nada de notório, pelo menos nada que uma enxada não resolvesse. Teve esta cerejeira uma infância difícil, não por falta de mimos, cuidados ou água, mas porque tardou em dar ares de sua graça. Levou quase um ano e meio a despontar o primeiro rebento e não deixa de ser irónico que no dia em que decidi arrancá-la da terra e colocar um fim à sua miserável existência tenha notado os primeiros inchaços nos botões. Foi precisamente isso que lhe salvou a vida salvando-me da humilhação de ter plantado um "pau" que regava criteriosamente sempre que necessário. Quatro anos volvidos tornou-se numa bonita árvore, invejada por todos quantos a conhecem e agora, por esta via, conhecida de ainda mais gente nunca a conhecerá (o jardim é pequeno e não cabem cá todos...). Tem no entanto um pequeno defeito que tenho tentado com denodo resolver. Em toda a sua vida deu uma cereja! Uma! Comi-a eu, antes que algum pássaro me fizesse a desfeita, bem feita que ainda por cima estava meia verde (tarde piaste, pensou o melro). Ora, se o leitor se pergunta porque é a desditosa árvore só deu um fruto quando era vontade do dono que desse cabazes deles, também eu me interroguei durante muito tempo das razões de tamanha falta de produção. Vieram peritos de toda a espécie, emails de toda a qualidade, consultadas as obras de referência (Margarida, a Vida e Obra do Cardeal Cerejeira há-de chegar-te às mãos um destes dias, e não, aquele livro não ensina a tratar de cerejeiras...) e fui confrontado com a inatacável sentença que reza "Arranca-a, que isso não dá nada!". Isso é que era bom, anda um homem de enxada na mão, mangueira tumefacta a inventar cercas e bordaduras, a defendê-la de gastrópodes e formigais criaturas e tudo o que me sabem dizer é "Arranca-a"?. Nem por sombras, e que boas que são, as sombras e as folhas que parecem ser a única coisa que está árvore sabe produzir... Um conselho me ficou bailando na memória, e se falo no gerúndio foi porque o conselho veio dos Açores, terra onde me consta que não há cerejeiras mas de onde veio gente extraordinária, capaz de maior copa que a raiz e que talvez por isso fez crescer os ramos e se enleou noutras paragens. "Uma cerejeira tem de namorar" disse-me um dia A. enquanto de mãos em pala sobre os olhos procurava nas cercanias como se esperasse um ataque do sétimo de cavalaria. Chegados à conclusão que as únicas coisas que crescem nas cercanias são baloiços de plástico e ervas daninhas, sentenciou A. que ou lhe arranjava companhia (à cerejeira, não ao próprio) ou nunca teria frutos. Veio a confirmar-se mais tarde esta sábia conclusão, as flores surgiam, os frutos chegavam a formar-se para logo definhar como cerejas microscópicas que nunca chegariam a nada que se visse."Faz uma experiência, arranja um bocado de flor de outra cerejeira e com muito cuidado afaga as flores brancas com pólen de outra flor para fazeres as vezes da natureza". Estará o leitor a imaginar-me armado em inseminador, pois imagina bem que foi isso mesmo que fiz, para algumas semanas depois ver surgir frutos semi formados na única pernada que inseminei e de onde surgiu a única cereja grossa e vermelha de que falei há poucas linhas. Examinada a questão, decidida a plantação de outra cerejeira que pudesse "namorar" a minha, punha-se a questão do espaço. Impensável plantar outra árvore de grande porte no jardim. Convenci o vizinho do lado a aceitar plantar uma árvore que eu mesmo lhe ofereci. Há-de mais tarde se tudo correr bem colher frutos dos preciosos conselhos de A. que já cá não estará para provar as cerejas. Mas que onde quer que esteja há-de andar a aconselhar alguém sobre qualquer coisa.
19 dezembro 2006
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17 comentários:
Agradeço o excelente naco de prosa: obrigada!
Ah... e candidato-me, claro, a provar umas cerejas.... ;)
Espero que o quintal do vizinho esteja a norte do teu...
Bem visto! :(
Por causa disso mesmo, encostei ao muro que divide os espaços, quando crescer haverá ramos a cruzarem-se fisicamente.
Tinhas uma solução muito mais fácil, e que te cheguei a falar nela.
Basta fazer um excerto em algumas pernadas de uma outra cerejeira.
Assim faz "auto-polinização".
Mas é verdade que necessita sempre de outra (tipo macho e fêmea) mas são ambas hermafroditas.
Filho de melro... gosta de cerejas!
Está claro!
Bom Natal!
Caro Pedro
Tenho exatamente uma cerejeira nas mesmas condições, só que pelo menos até agora teve o DOBRO da produção da sua: 2 cerejas!!! foi uma para cada filho, em anos diferentes.
Ela na primavera fica coberta de flor, é muito bonita e promete muito, mas depois....nada. Bem, por mim só pela flor já se livra do serrote.
Aqui os entendidos dizem que não teve frio na altura certa, tem de ser mais para ou norte ou sitios mais altos, não sabia questão do sexo das cerejeiras, mas tem lógica, embora sendo hemafroditas deviam fazer as duas funções.
Podiamos fazer como se faziam dantes com os animais, levavam os machos a cobrir as fêmeas, mas dadas circuntâncias de mobilidade e sexualidade é um bocado difícil....
Como ainda moro longe podemos mandar uns ramos com flor pelo correio!!!
Também queria plantar outra mas não tenho espaço e e técnica, dos vizinhos comigo não vai funcionar pois eles quando a plantei previram logo o futuro....
Deviam inventar um polén em latas de spray de diverentes arvores, talvez tivesse mercado, pois dada a falta de espaço a pessoas têm normalmente uma árvore de cada!
Narciso, eu cheguei a tentar a técnica da enxertia, mas honestamente não percebo lá muito do assunto e o garfo que fiz não pegou. (Perdoa-me Joaquim Nunes que deves estar a dar voltas na campa pelas inúmeras vezes que me tentou ensinar...) Isso não quer dizer que não volte a tentar, mas tenho fé nesta árvore que plantei. Uma coisa que não disse no post, o vizinho tem a casa à venda, terei de exercer uma marcação cerrada ao novo proprietário explicando-lhe que o futuro da civilização depende daquela árvore...
LOL.
Tenho pena que não tenha resultado.
Eu também só passei a comer cerejas da arvore em casa do meu pai depois de haver "parceiro".
Pode suceder que eu volte a tentar o enxerto. Mas preciso de arranjar quem saiba da coisa.
Quem saiba da poda, por outras palavras. Pode ser que consigas na net um tutorial com imagens, como os da iCreate que tanto jeito dão ;)
Saudações,
"googlando" por informação sobre plantar uma cerejeira "mbati" neste seu delicioso post.
Gostaria de saber como está a sua cerejeira, e se podemos estar descansados no que diz respeito à continuidade da espécie humana :)
Infelizmente a "namorada" foi arrancada pelo novo proprietário da casa vizinha e a cerejeira tem sido atacada por uma praga que lhe "picota" as folhas. Tenho de ir tentar saber o que se pode fazer...
O mesmo acontece com a minha cerejeira, que embora seja de grande porte só deu cerejas um único ano! Na aldeia onde vivo deram-me alguns conselhos que por achar disparatados nunca experimentei, mas se vocês acharem que vale a pena... cá ficam:
-Pendurar pedras nos ramos
-Bater com um pau nos ramos da árvore
Se resultar avisem-me ;)
A essa técnica, chama-se "ofender" a árvore. Já a vi recomendada (e com alguns resultados) mas para que "pegue", para que rebente e se desenvolva e não para a floração e inseminação. Dizem-me os experts que a árvore "reage" à própria ferida, gerando mais seiva. Não é incomum verem-se árvores pequenas com pedras grandes no primeiro garfo (que a consiga suportar). Isso, desencadeará (alegadamente) uma reacção no sistema de desenvolvimento da árvore. Dizem.
Bem... Lá ficamos nós com as cerejeiras gafas na esperança da frutificação ;)
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