01 janeiro 2007

Parker, o adeus

Querida Parker,

Esta não é uma carta normal, pelo menos tão normal como foram todas aqueles milhares delas que me ajudaste a escrever. Conhecemo-nos há anos, há muitos anos, há demasiado tempo para que me despeça assim de ti, por uma carta. Se bem te lembras entraste na minha vida no dia do exame da Quarta Classe. eu nervoso sem saber muito bem como te irias portar durante aquela hora de agonia, sem saber se devia ou não ter levado um frasco de tinta azul para te dar de beber caso tivesses sede. A verdade é que te portaste bem, eu também não me dei mal na conta do recado, e da angústia que tive só me restaram uns vincos no indicador direito e uma mancha azul, quem sabe se te ter apertado com demasiada força. Nada que um bocadinho de lixívia e pedra-pomes não tivesse apagado.

Vou abandonar-te. Sinto-me traído. É verdade que levei trinta e três anos saber da realidade das coisas mas não se esquece de um dia para o outro a companhia de meia vida, ainda que durante todo esse tempo te tenhas disfarçado de várias cores e formas, de tipos e modelos, da primeira 51 à 75, das Rollerball do liceu à última Frontier, passando pelo menos por uma dúzia de modelos cujo nome nunca fixei. A verdade é que tens perdido qualidades com o passar do tempo.

E não é por teres perdido essas qualidades que te deixo, que devemos aprender a viver com os defeitos dos outros pela vida fora, mas na verdade estás a tornar-te uma amante cada vez mais cara. Senão repara: Nos últimos seis meses comprei-te quatro cargas Rollerball (que não estão nada baratas!), cujo destino foi o caixote do lixo! Rebentam, explodem, sujam tudo à sua volta. E não é apenas esta tendência depressiva que me irrita e incomoda, é também o custo acumulado e a minha cara de parvo quando tenho de fazer quilómetros para voltar ao local da compra de dizer "Olhe, comprei isto aqui ontem mas hoje está toda rebentada...". É também o tempo que perco com frascos de álcool a tentar minorar os estragos. É a paciência que me falta para lá voltar pela terceira ou quarta vez e contar a mesma história (não és só tu que tens perdido faculdades...).

Estou disposto a perdoar-te as roupas estragadas com cargas que rebentaste por puro mau génio dentro das canetas. Estou até na disposição de não me voltar a lembrar do dia em que decidiste fazer-me uma cena (negra) em cima de um teclado imaculadamente branco. Não voltarei a falar do dia em que ias dando cabo da máquina do Totoloto cá da rua por teres esborratado com tinta negra um dos seus delicados sensores. (O dono da máquina ainda hoje me olha de lado).

Isto é algo que só o tempo resolverá. Se isto é uma questão pessoal e decidiste explodir dentro do teu ainda formoso corpo, que sejas feliz com outro qualquer cliente Parker, por mim chega! Agradeço-te não obstante os maravilhosos anos que vivemos juntos, dos sonhos que acalentámos e dos planos que, literalmente riscámos. Acabou. Eu não posso passar o resto da minha vida a correr para os braços de uma qualquer BIC cristal por te negares a cumprir a tua missão. Posso estar velho, mas ainda vou escrevendo umas linhas...

Adeus Parker, até sempre. Assinaria se pudesse...


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