27 fevereiro 2007

Eco(lógica)

Era uma vez uma rua com X árvores. As árvores aborreciam um bocado as pessoas porque na Primavera vertiam seiva para os passeios e para os carros e sujavam os portões das casas. Das Y famílias que umas semanas por ano se aborreciam com o problema houve uma que se queixou do aborrecimento à Junta de Freguesia e inexplicavelmente surgiu uma vez na rua uma equipa de lenhadores que arrancou as árvores. As outras pessoas (as que se aborreciam um bocado mas das quais ninguém morreu por causa disso) ficaram muito chateadas por não terem sido consultadas sobre o abate das árvores, mas depressa esqueceram o assunto, menos um dos moradores que se foi queixar da arbitrariedade a quem de direito. Com um ar muito pesaroso o responsável disse a esse morador que uma pessoa se tinha queixado e que agora nada havia a fazer. O morador, que ficou muito aborrecido por ter ficado chateado por não ter que se aborrecer uma vez por ano, fez um escarcéu do caraças e perguntou à responsável se estava disposta a comparar as nocões de democracia que ambos tinham aprendido, uns na escola, outros na vida. Não estava, o que foi um aborrecimento. Resistindo passivamente, o morador solitário que tinha saudades das árvores que o aborreciam uma vez por ano, mas que o chateavam todos os dias por primarem pela ausência lá na rua, passou a frequentar com assiduidade exemplar as Assembleias da Junta de Freguesia, pedindo o regresso do aborrecimento anual. A Assembleia ignorava-o e empatava o assunto, prometendo uma replantação para uma data mais conveniente. Quando um dia o solitário e saudoso morador viu na rua uma equipa de calceteiros a tapar os buracos das árvores que o aborreciam uma vez por ano mas que mais o chateavam por lá não estarem todos os dias, foi questionar o poder sobre a lógica da operação. Que sim, mais que também, que os buracos que haveriam de receber outras árvores para substituir aquelas que lá não estavam porque aborreciam os moradores uma vez por ano, tinham de ser tapados. O solitário morador, que estava já aborrecido por se aborrecer de se aborrecer uma vez por ano tentou explicar que sairia mais barato colocar terra nos buracos do que calcetá-los, que não viria mal ao mundo de que este já não sofresse, Aos costumes disseram-lhe, que sim mais que também e a indómita equipa de calceteiros tapou os buracos todos, benza-os Deus, os buracos e os trabalhadores, que lhes não falte o sustento e pedra para partir. Passaram muitas luas, muitos gatos miaram com cio, poucas gatas se refugiaram na copa das árvores que agora lá não estão, as tais que aborreciam uma vez por ano os moradores e agora também os gatos, que me contaram tentaram trepar a troncos imagináveis para fugir de cães que agora alçam a perna no vazio antes de se interrogarem da triste figura que faziam, a de alçar a perna sem nada onde mijar, tens razão já agora que não há nada para molhar, deixa-me correr atrás deste gato. Como facilmente se percebe vai naquela rua um mar de aborrecimentos, o dos donos dos cães, o dos protectores dos gatos, o dos donos dos pneus molhados e muitos outros aborrecidos dos quais o leitor tem tomado conhecimento desde que começou a ler este texto aborrecido, sendo que os últimos foram os cães que nunca apanham os gatos que trepam por troncos imaginários.

6 comentários:

Ana Ferreira disse...

MAGNÍFICO texto, adorei :)

Anónimo disse...

Gatos que trepam por troncos imaginários! Se o presidente da junta ler este texto vai de certeza querer arrancar, agora, os troncos imaginários. Ou então subir por eles acima.
Belo.
abraço

kincas disse...

O presidente da Junta não mora por essas bandas?
Que tal os cães passarem a fazer as necessidades à sua porta. Os gatos a subirem para o seu telhado. E as gatas com o cio passarem a "sofrer" nas suas telhas.

Raquel disse...

Vamos fazer amigos entre os vegetais...
Realmente a Natureza é sábia tudo tem um porquê... nem que seja a casa de banho dos cães ou o ginásio dos gatos.

Anónimo disse...

...enquanto duas árvores fazem todo este barulho...milhares de florestas nascem silenciosamente!

JC

zé lérias (?) disse...

Está provado mais uma vez que "as árvores também se abatem".
Boa semana de trabalho