Doiam-me os braços, eram já muitas horas de volante num carro da moda que é rijo e incómodo como bancos de tábua. Na rádio a música que se já não ouve, a voz que fala mas que não entendemos, os sons daqueloutros automóveis que se afastam de nós, provavelmente com os respectivos condutores de braços doridos de irem sentados como em bancos de tábuas. Enjoado de auto estrada escolhi outros caminhos, outras vistas, se é que de noite cerrada se vê alguma coisa, se não se vê, ouve-se, quanto mais não seja a nós mesmos e ao fanhoso rádio cujo som nos faz companhia sem que o escutemos. Fiz uma viagem de memória numa estrada que conheço como a palma das mãos queimadas pelo plástico miserável do carro da moda que não sei se já vos disse é rijo e incómodo como se em bancos de tábua me sentasse. Há coincidências notáveis, eu de mãos queimadas, e o vento pelas janelas abertas a trazer-me o cheiro doce de montes e vales também eles queimados por gerações de fogos que ardem e se vêem muito bem. Quando subimos e descemos vales das nossas infâncias e das nossas memórias, tudo nos parece mais pequeno, as distâncias são mais curtas e as nostalgias mais longas. Parei, acendi e apaguei de imediato um cigarro que me soube mal, dei duas voltas esticando as pernas encolhidas por um cansativo dia de trabalho e rolei devagar encosta abaixo a recordar cada curva, cada casa nova, cada mancha de pinhal que desapareceu. Mas estava escrito que haveria de parar, faltava-me o pretexto e o local que veio ao meu encontro alguns quilometros mais à frente sob a forma de uma roulote de bifanas e cachorros. Venha um cachorro, venha uma Sagres e pague-se já de um café que me vai fazer falta daqui a bocado, se fizer o favor, e ela fez, não só o favor mas também o troco e em conjunto veio um "Boa noitchi" e devolveu as mãos ao fundo dos bolsos do blusão acolchoado que a defendia de uma brisa fria. Soube, e era óbvio, que ela tinha frio, que era de Minas, e disse-me muito mais mas não fixei nem metade, que a não ouvia entretido que estava a aperceber-me de quem chegava e partia. E chegou um grupo de profissionais, não da estrada, mas da borda dela. Uma delas, feiíssima, benza-a Deus. Mercedes de seu nome que lho gastavam de tanto chamarem por ela. Parecia-me uma avestruz, Estava enrolada num casaco de autêntico carpélio roxo que bem podia ser outra cor, que para mim é quase tudo roxo. Veio um chiste de um passante, um convite a um passe que não social, prontamente declinado. "Que não, amorzinho, terá de ficar para uma outra altura, estou cansada vou para casa, que esta vida de abrir as pernas não é nenhum descanso!". Encostado ao periclitante balcão, com os braços doridos, cansado de uma jornada que parecia não terminar, também me apetece chegar a casa. Fico porém na dúvida se abro ou não as pernas.
08 maio 2007
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
4 comentários:
A musa é assim tão dura? (A esposa tb se queixa do banco dela, mas não do lado do condutor...)
No caso, o bólide em questão não era o Musa.
Deixa-me tentar advinhar: um Smart?
Bingo! Um Fourfour
Enviar um comentário