24 junho 2007

O homem a quem chamavam gaivota

Não sabia nem ler nem escrever mas todos os dias relambia religiosamente as páginas dos jornais disponíveis na pequena sociedade recreativa. Aprendi, aprendemos, a gostar da figura seca e magríssima de gestos largos e absurdamente educados que pedia, de quando em vez, que lhe lessem uma ou outra notícia cuja atenção lhe fosse reclamada por esta ou aquela fotografia. Todos aprendemos que as imagens de barcos eram a maioria das que primeiro eram requisitadas e todos sabíamos que mais tarde ou mais cedo haveríamos de escutar-lhe histórias da vida de embarcadiço enquanto houve disposição para tal e mais tarde da vida do sal enquanto houve saúde e idade. Que um dia haveria de embarcar para uma viagem longa, gracejava quase sempre assim. Que haveria de mandar notícias embora não soubesse bem como por causa da questão das letras. "Hei-de mandar quanto mais não seja um postal!". Partiu. Inesperadamente, sem um único sinal. A vida continuou pacata e solarenga e muitos de nós não voltaremos a ir ver se há correio da mesma maneira de sempre.

3 comentários:

runn disse...

Se há coisa que eu gostava era de ter um avô para me contar histórias... Penso que pudemos aprender muito com as pessoas mais velhas! Mas, a vida prega muitas partidas... Resta-nos dedicar mais paciência ao tempo que passamos com elas =)

Cleopatra disse...

"Hei-de mandar quanto mais não seja um postal!".

Fer disse...

Saudade, muita Saudade...
É o que o texto no faz