Tenho por certeza que há um lugar no céu à minha espera, e se não houver, nem céu nem lugar, ficarei muito desapontado. É verdade, que como diz P., eu tenho muitas dificuldades em dizer a palavra não e isso só por si garante-me metade do acumulado necessário para franquear as portas do paraíso, e se me faltarem pontos na caderneta depressa os arranjarei noutro lado. Nas minhas tamanquinhas, se as usasse, cabem uns pés que me hão-de conceder a graça eterna e se for entre os esplendores da perpétua luz, mais barato me sairá na conta final do mês. Sou um inepto na cozinha, é um facto contra o qual não luto, apenas e só por exaustão. Não morreria de fome se dependesse apenas da minha habilidade, mas a dieta base ficaria restringida a muito pouco e assim sendo, já o sabiam os egípcios, a pirâmide alimentar ficaria um bocadinho torta e como o povo sabe e bem diz, o que nasce torto tarde ou nunca se endireita se abrirmos uma excepção aos produtos da Pfizer. No entanto, esta minha inépcia culinária (que o Grande Arquitecto me compensou com saberes noutras artes, ficarão a aguar as vossas boquinhas que não me gabarei do meu próprio cesto), é largamente ultrapassada pelo facto de os afazeres domésticos em matéria de conhecimento dos utilitários engenhos de cozinha não me serem completamente estranhos, eu explico aos mais confusos, eu posso não saber gratinar um soufflé, se é que os soufflés se gratinam - vide o discurso sobre a total inépcia - mas sei tudo sobre a resistência do forno eléctrico, dirão alguns de vós, morres de fome, serve-te de muito, mas na verdade sei desmontar e montar torneiras, conheço as cambiantes das bombas que me enchem de água as máquinas diversas.
Dirão ainda os mais cépticos que de nada me serve conhecer a Lei de Ohm se estiver com fome, é um facto, entrego a mão à palmatória para ser castigada, porque em boa verdade se contam pelos dedos de uma só mão de um lançador de foguetes que esteja de baixa por acidente de trabalho o número de vezes que resolvi problemas mecânicos ou eléctricos que me permitiriam vir a jantar, sendo muito mais a inversa, o número de jantares que não comeria se não tratasse de amanhar os domésticos impedimentos técnicos. Por vezes tenho pequenas vitórias, pequenas para os outros, já sabemos, que tendem sempre a achar curto o pano da nossa enorme manga. Como no caso de A. que se divorciou de B., ah, belo novelo que aqui começaria, quantos romances se escreveram já cheios de lugares comuns no início da primeira linha, do clássico "Era de noite e chovia" ao "Como no caso de A. que se divorciou de B." e este é apenas mais um deles, mas que não tem a aspiração mínima de se tornar um êxito nas livrarias. Mas dizia, A. divorciou-se de B., B. fez as malas e voou e ao que dizem as más línguas só não voou mais porque moravam num rés do chão, e A. uma alma gémea da minha em termos de territórios hostis como o são as cozinhas, ficou como é costume dizer-se com o menino nos braços (literalmente escrevendo) e com o problema de ter de sobreviver ao divórcio e à dieta imposta pela inabilidade. Na verdade A. que já é um homem livre de novo, porque já passaram sete meses desde o dia em que se divorciou do advogado de B. (Porque B. não compareceu perante o meretíssimo e parece que falta lá não fazia para os devidos efeitos), queixou-se-me hoje de uma avaria no fogão da cozinha. Na verdade não foi bem um queixume, foi mais um rol de imprecações e adjectivos dos quais o mais simpático terá sido "Aquela cabra foi-se embora e deixou-me o fogão avariado...". Se eu podia lá ir ver, claro que sim, a viagem não é longa, basta-me sair da porta e entrar na seguinte e largar à desfilada o pequeno engenheiro que há em mim.
Muni-me do necessário ferramental, eu posso não saber o que é um Vol au vent mas gosto de me munir dos apetrechos que me permitem desmontar coisas e fui observar o paciente. Três bicos a gás, um eléctrico, o trivial, Teka se estiverem com minudências e vontade de perder o vosso precioso tempinho. O que se passa é simples, eu carrego no botão, o gás sai, acendo um fósforo o gás acende, mas se largo o botão o gás apaga-se. Pareceu-me justo. Faz isso em todos os bicos? Sim, e hoje fiquei agarrado, não literalmente, é certo, mas a placa eléctrica avariou-se e deixei de ter fogão. Não percebi, recapitula lá que foi muito depressa. Então, os botões do gás têm de estar premidos para a chama se manter acesa, não me estás a ver a ficar aqui uma hora à espera que as panelas cozam o que quer que lhes tenha deitado dentro, para não falar do calor que me assa as mãos se as tiver muito tempo a carregar no botão. Humm..., disse eu, que no papel de engenheiro tenho sempre de dizer alguma coisa que faça os outros crer que estou a pensar. Mas não me disseste que o fogão estava avariado? Sim, disse, os botões do gás, como já te disse, referiu ele impacientemente, não funcionam desde que aquela cabra se foi embora e hoje a placa eléctrica deixou de aquecer. Carago, mas eu vi o gás aceso, ainda agorinha mesmo a chama se produziu, tá bem que não é a chama imensa, mas acendeu, logo tens gás e só falta perceber porque é que o botão não fixa. Pá, se conseguisses por pelo menos uma das bocas a trabalhar é que era. Hummm... voltei eu a dizer para o fazer crer que estava a pensar. Percebi rapidamente. Os botões do gás, depois de premidos, têm de ser puxados para fora, deve ser um sistema de segurança, dá cá o isqueiro, ploft, vês, é simples, não estavam avariados, estão acesos, o que é o almoço?. A. olhou para mim, corado como uma galinha ao lume e murmurou "Ahhnnn, espera, afinal o fogão não estava avariado..." Pois, disse eu em glória, há quantos meses é que a tua mulher se foi embora? Sete meses. Hummm... disse eu fazendo-o crer que lhe insultava a inteligência, ainda queres que veja o que se passa com a placa eléctrica? Hummm... disse ele, é melhor não.
Dirão ainda os mais cépticos que de nada me serve conhecer a Lei de Ohm se estiver com fome, é um facto, entrego a mão à palmatória para ser castigada, porque em boa verdade se contam pelos dedos de uma só mão de um lançador de foguetes que esteja de baixa por acidente de trabalho o número de vezes que resolvi problemas mecânicos ou eléctricos que me permitiriam vir a jantar, sendo muito mais a inversa, o número de jantares que não comeria se não tratasse de amanhar os domésticos impedimentos técnicos. Por vezes tenho pequenas vitórias, pequenas para os outros, já sabemos, que tendem sempre a achar curto o pano da nossa enorme manga. Como no caso de A. que se divorciou de B., ah, belo novelo que aqui começaria, quantos romances se escreveram já cheios de lugares comuns no início da primeira linha, do clássico "Era de noite e chovia" ao "Como no caso de A. que se divorciou de B." e este é apenas mais um deles, mas que não tem a aspiração mínima de se tornar um êxito nas livrarias. Mas dizia, A. divorciou-se de B., B. fez as malas e voou e ao que dizem as más línguas só não voou mais porque moravam num rés do chão, e A. uma alma gémea da minha em termos de territórios hostis como o são as cozinhas, ficou como é costume dizer-se com o menino nos braços (literalmente escrevendo) e com o problema de ter de sobreviver ao divórcio e à dieta imposta pela inabilidade. Na verdade A. que já é um homem livre de novo, porque já passaram sete meses desde o dia em que se divorciou do advogado de B. (Porque B. não compareceu perante o meretíssimo e parece que falta lá não fazia para os devidos efeitos), queixou-se-me hoje de uma avaria no fogão da cozinha. Na verdade não foi bem um queixume, foi mais um rol de imprecações e adjectivos dos quais o mais simpático terá sido "Aquela cabra foi-se embora e deixou-me o fogão avariado...". Se eu podia lá ir ver, claro que sim, a viagem não é longa, basta-me sair da porta e entrar na seguinte e largar à desfilada o pequeno engenheiro que há em mim.
Muni-me do necessário ferramental, eu posso não saber o que é um Vol au vent mas gosto de me munir dos apetrechos que me permitem desmontar coisas e fui observar o paciente. Três bicos a gás, um eléctrico, o trivial, Teka se estiverem com minudências e vontade de perder o vosso precioso tempinho. O que se passa é simples, eu carrego no botão, o gás sai, acendo um fósforo o gás acende, mas se largo o botão o gás apaga-se. Pareceu-me justo. Faz isso em todos os bicos? Sim, e hoje fiquei agarrado, não literalmente, é certo, mas a placa eléctrica avariou-se e deixei de ter fogão. Não percebi, recapitula lá que foi muito depressa. Então, os botões do gás têm de estar premidos para a chama se manter acesa, não me estás a ver a ficar aqui uma hora à espera que as panelas cozam o que quer que lhes tenha deitado dentro, para não falar do calor que me assa as mãos se as tiver muito tempo a carregar no botão. Humm..., disse eu, que no papel de engenheiro tenho sempre de dizer alguma coisa que faça os outros crer que estou a pensar. Mas não me disseste que o fogão estava avariado? Sim, disse, os botões do gás, como já te disse, referiu ele impacientemente, não funcionam desde que aquela cabra se foi embora e hoje a placa eléctrica deixou de aquecer. Carago, mas eu vi o gás aceso, ainda agorinha mesmo a chama se produziu, tá bem que não é a chama imensa, mas acendeu, logo tens gás e só falta perceber porque é que o botão não fixa. Pá, se conseguisses por pelo menos uma das bocas a trabalhar é que era. Hummm... voltei eu a dizer para o fazer crer que estava a pensar. Percebi rapidamente. Os botões do gás, depois de premidos, têm de ser puxados para fora, deve ser um sistema de segurança, dá cá o isqueiro, ploft, vês, é simples, não estavam avariados, estão acesos, o que é o almoço?. A. olhou para mim, corado como uma galinha ao lume e murmurou "Ahhnnn, espera, afinal o fogão não estava avariado..." Pois, disse eu em glória, há quantos meses é que a tua mulher se foi embora? Sete meses. Hummm... disse eu fazendo-o crer que lhe insultava a inteligência, ainda queres que veja o que se passa com a placa eléctrica? Hummm... disse ele, é melhor não.
16 comentários:
Como eu gosto da lógica!
Isto faz-me lembrar uma história com um iPOD (muito menos interessante, obviamente). Qq dia conto.
Como eu gosto de ler este blog!
Post excelente, como sempre.
P.S.: Lindo url. O facto de o blogspot cortar os caracteres acentuados te destas coisas. :)
..."Tenho por certeza que há um lugar no céu à minha espera"
A frase devo agradecê-la a uma senhora que hoje viajava na Fertagus. O resto é efectivamente meu. Obrigado Ana
Tenho cá pra mim que estas historinhas compiladas num livrinho eram capazes de ajudar muita gente a gostar de ler livros.
Eu não gosto de ler (escudo-me na máxima de Daniel Penac de que "não gostar de ler é um direito")...mas um livro assim, com histórias destas, era capaz de levar para férias...isso era!
JC
Se dominas a Lei de Ohm, então não vais ter problemas com as salsichas. :p
Pá, essa das salsichas devia figurar numa galeria de originalidades...
JC, sinto-me lisonjeado pela sugestão que tende a vir a lume de quando em quando nestas páginas e sempre que vou visitar uns amigos ao Porto! (Private joke que vem bem a propósito...).
Eu tenho uma dúvida existencial a esse respeito. Eu não compraria um livro de algo que já li ou que tenho disponível online... E como eu deve haver uns milhares (olha o optimismo!) a pensar o mesmo...
Proponho um "Ninguém explica um pouco de ciência culinária a informáticos-que-se-querem- polivalentes".
E não, os soufflés não se gratinam.
Eu,pessoalmente, prefiro ter o livro que ler no computador. E conheço muita gente que nao usa computador ou nao conhece o blog e que gostaria de ler estas historias. Faça-se outra sondagem :p
Oh Nêspera percebi o toque e já corrigi! ;)
Eu não compraria um livro de algo que já li
Clássicos são os livros de que se costuma ouvir dizer "estou a reler"
ou que tenho disponível online.
What? Essa fonte estará a secar?
E como eu deve haver uns milhares (olha o optimismo!) a pensar o mesmo... QUE EU
Então, o homem do Correio dos Outros ter-se-á esquecido que os OUTROS existem. Pois, e os outros?
JC
A verdade é que a minha fé nos "outros" já não é a mesma...
Eu comprava e tabmém não precisavam de ser histórias já lidas, escrevias umas originais :)
Yahh e quando chegar o Natal não te esqueças de me oferecer uma máquina de encher chouriços!
Esta história dá um novo significado ao ditado popular: "homens na cozinha, nem as panelas fervem!".
;-)
E ainda dizem que as 'mulheres' falam muito! ihihih!
[]
I.
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