28 janeiro 2008

Turtley

Nem fui eu que dei com ele, foi S. uma das minhas companhias dos dias da América que lhe acenou à saída de um dos pavilhões de exposição do Centro de Congressos. O puto era giro, diferente mesmo, e nem era o cabelo louro esculpido de gel ou uns olhos azuis claríssimos, nem um imenso balão salsicha desses que alguns génios usam para fabricar sonhos coloridos em forma de cão, cobra, flor ou de tartaruga como era o caso. Uma tartaruga gigantesca entrelaçada em tubos verdes cheios de ar. Uma obra de arte, o puto ali especado a admirar a volumosa tartaruga verde água que usava no pulso como um enormíssimo relógio. A mãe, presumo que fosse a mãe, acabara de lha comprar, eu mesmo apanhara num ápice o elaborado chapéu do fazedor de figuras, ali mesmo, na saída de um dos pavilhões. Eu, que nem sempre me lembro das coisas mais eternas e presentes, lembro-me bem que a tartaruga era imensa e alguém tinha desenhado cornucópias verdes nas curvas do balão salsicha. Cumprimentei-o com um sonoro "Hi there, buddy! Nice turtle you've got there!". Ele esticou-me o pequeno braço, os olhos azuis de orgulho no balão. Perguntei-lhe o nome e ele respondeu-me ainda de braço esticado numa tagarelice que não entendi. Fiz um trejeito com a boca, ele percebeu e encheu o peito de ar e numa onda de perdigotos repetiu "PHI-LI-P!". Ahh! Philip! Does that turtle have a name? O puto encolheu o braço, olhou para o balão, como que apanhado desprevenido. Interrogou a mãe com os olhos que lhe respondeu com um sorriso e eu li-lhe nos olhos a aflição da resposta que não tardou, já prevenida da minha incapacidade de o perceber. "TUR-TLEY!". Eu tinha na mão um saco de chocolates e tentei-o. "Wanna trade your turtle, Philip?". A mãe, presumo que fosse a mãe, riu-se. Os olhos gulosos de Philip mostraram-me que ele já tinha decido fazer o negócio. A mãozita a tentar desapertar o balão do braço, os olhares aflitos à procura da autorização da mãe e eu a agachar-me, envergonhado, para o ter mais perto, a dizer-lhe que não, que já não queria fazer negócio, os olhos azuis aliviados e ao mesmo tempo tristes pela súbita perda de oportunidade. Eu a dizer-lhe com muita calma que estava apenas a brincar com ele. "Are we still buddies?" e ele sem responder, ora toma, bem feito, quem te mandou tentar a tentação ela mesma? Eu ali agachado a encher-lhe os bolsos de chocolates, ele de olhar azul surpreso porque ia ficar a ganhar, não trocava o balão salsicha entrelaçado e ainda cabe mais um aí no bolso das minúsculas calças de ganga. "Are we still buddies?". "Yes, we are!". Ora ainda bem. "See ya, and don't forget to eat all your vegetables", a mãe a rir-se, presumo que fosse a mãe e lembrei-me deles hoje, nem sei porquê, talvez a meio de uma reunião aborrecida de morte, com a conversa às voltas, em espiral, numa sala verde água, tal e qual as cornucópias da Turtley.

5 comentários:

r. disse...

Ohhh.... How sweet :)

m.camilo disse...

Um Rafa "made in" USA... :)

filipe m. disse...

What happened to "never take food from strangers"?

r. disse...

Ó Filipe vê-se logo pelo cabelo que o Pedro não é nenhum estranho, ora vê:
http://caoepulgas.blogspot.com/2007/11/caramelos.html

r. disse...

agora deixa-me fugir :D