25 fevereiro 2008

Rosa, linda, se tu fores à Zara

Ela entrou pelas portas de vidro grosso como uma frente fria, turbulenta e em fúria, e eu quase só tive tempo de levantar os olhos e a imaginária gola do subconsciente e ver-lhe as pernas vestidas por botas de cabedal de cano alto e apertado. Sem pré-aviso, tal e qual uma tempestade, abateu-se sobre a cadeira vazia ao lado da minha mesa. Vinha de olhos húmidos, rimel esborratado de fios de alcatrão em delta de muitos braços. Deixou cair com violência os volumosos sacos da Zara que trazia dependurados nas mãos e um deles rasgou-se, grávido que vinha de embrulhos e bolsas várias. Suspirou fundo, como faz o vento que se cala antes ganhar fôlego para a borrasca e depositou sobre as pernas a mala, que de mole aproveitou para desmaiar também e vomitar alguns pertences que nem tiveram tempo de saborear a luz do dia pois foram devolvidos à procedência em menos de um ápice. Aproveitou para escavar fundo no interior da mala, como quem procura algo que se se sabe estar já perdido por natureza. Toda ela se agitava, um frémito, imaginei-a em ressaca, gestos largos e nervosos, espalhafato encenado pensei, os braços abertos, ramos brancos numa árvore negra de espírito e de cor. Do meio de um conjunto generoso de batons, caixas de make-up, boiões de vários formatos e cores, pescou um minúsculo telefone que se apressou a abrir com um ar vitorioso na face. Foi aqui que o telemóvel ganhou vida, como um peixe a sacudir-se no anzol, um último esforço para fugir ao destino e saltou, negro como um peixe esguio, talvez espada, escorregadio como uma enguia que nem peixe será, não importa, o telefone fez um mortal perfeito, talvez encarpado diriam os conhecedores da modalidade e aterrou vitorioso no tampo da minha mesa provocando um maremoto no meu quarto de Vigor frio. "Peço desculpa". "Ora essa, cá está, oxalá funcione". "Espero bem que não, espero bem que não, os homens são uns cabrões...". Ditada a generalista sentença, abriu o telefone, abriu-me os olhos sujos como quem diz "funciona!" e começou a falar. "Rosa, comprei umas coisinhas tããão giiiiras..."

4 comentários:

r. disse...

Só dei 5 estrelas porque está muito bem escrito... não pela implícita e "generalista sentença" ...
Estou mal disposta, pronto.

Unknown disse...

Isto só prova que os homens são o motor da economia das lojas de roupa. Elas chateiam-se connosco e vão às compras.


PS:brincadeirinha apenas. :)

m.camilo disse...

Serão sempre assim. E sabem que terão sempre a responsabilidade de estarem por detrás do que fazemos.
É por isso que nos atraem tanto. Estejam na "posição" que estiverem.


obs.: Mais um grande texto. Parabéns.

Manuel Tavares disse...

Terapia feminina :)