11 abril 2008

Aniceto, o do Rosário

Com uma regularidade impressionante apenas comparável à dos avisos de cobrança do IMI, em cada semestre sou inquirido por leitores que me enviam imagens de placas toponímicas e mensagens relativas a ruas, praças e largos denominados "Aniceto do Rosário". Tenho o apelido Aniceto, moro providencialmente na aldeia do Rosário e isso parece ser suficiente para me dizerem constantemente "Eh pá tens uma rua?". Não tenho, isto é, tenho mas não é minha, não é difícil de entender e como tal não vou explicar por aí além. A primeira vez que ouvi falar deste personagem, sim porque se trata de um personagem, foi no meu livro de leituras da terceira classe da instrução primária. Numa ilustração que ainda hoje conseguiria reproduzir, em tons escuros e alaranjados, a figura de um homem uniformizado em caqui, de capacete colonial na cabeça, sabre desembainhado e ar ameaçador, impunha-se num largo de palhotas iluminadas a laranja forte no interior (nunca percebi se estavam a arder ou se no interior se assistia a jogos da Selecção Holandesa...). Isto de um tipo se chamar Aniceto, ser um herói do regime e exemplo nem sei bem de quê, não é todos os dias que se encontra, Mais a mais quando se é oriundo de uma família pequena e os 14 Anicetos da lista telefónica de Lisboa serem quase todos tios ou conhecidos não traz excitação absolutamente nenhuma. Mais ainda a coisa se agrava se ninguém conhecer este Aniceto do Rosário e nunca o ter visto mais gordo, que é o que sucede à maioria das pessoas. Durante muito tempo quando me perguntavam "Quem é o teu herói da História portuguesa?" eu respondia com ar convicto "Aniceto do Rosário" e escutava invariavelmente um "Quem??" incrédulo e desconfiado. Era nessa altura que eu aproveitava para brilhar e contar tim-tim por tim-tim o texto que acompanhava essa ilustração que falava de como o meu herói tinha posto na ordem os gentios lá na África longínqua e como já disse, pelo ar ameaçador da criatura, também os gensobrinhos se devem ter visto gregos com o homem. Rever-me em Aniceto do Rosário não era gratificante por aí além, pelo desconhecimento geral e porque só anos mais tarde, ainda na minha adolescência encontrei outro Aniceto semi-famoso que acabou por não se revelar grande espingarda. (Falo de Aniceto Simões, um atleta do Sporting que se notabilizava por não conseguir grande coisa nas provas em que participava). Quando me cansei de Aniceto do Rosário, escolhi outro ídolo da História, Carvalho Araújo de seu nome, mas não fui muito mais feliz, porque apesar de ser um bocadinho mais conhecido da generalidade do povo, continuava a ser um ilustre desconhecido. Salva-se o facto de uma vez, em conversa com um agente da PSP na Avenida principal de Vila Real, o mesmo me ter perguntado se eu sabia quem tinha sido o Comandante Carvalho Araújo. Contei-lhe a história (que hoje tenho como historicamente provado ter sido semi-ficcionada pelos criativos do Estado Novo) e o homem cumprimentou-me efusivamente, apontando orgulhosamente para a placa de baquelite azul que lhe pendia do peito e onde tinha gravado os apelidos Carvalho Araújo. Podia explicar-vos quem foi, mas dêm lá uso ao Google que eu tenho mais que escrever...

Aniceto do Rosário foi um sub-chefe do corpo policial português da guarnição do posto de Dadra, situado no quase desconhecido enclave de Nagar-Aveli a curta distância de Goa no Estado da Índia. O primeiro ataque das forças da União Indiana tendo em vista a tomada de Damão foi precisamente ao símbolo do poder português mais isolado, o posto de Dadra onde a 21 de Julho de 1954, o sub-chefe Aniceto do Rosário foi assassinado conjuntamente com outro sub-chefe de nome António Fernandes.


8 comentários:

Anónimo disse...

Ena! Até parece que te dei a inspiração para o post :) Pena não conhecer Portimão, senão tirava tb uma foto à placa toponímica para, quem sabe, começares uma colecção.

Abraço!

r. disse...

Uma pergunta parva... diz-se
anic(ê)to ou anic(é)to?

Pedro Aniceto disse...

Boa questão:

No Alentejo: Anicêto
No Algarve: Anicéte
Na Beira: Anichéto
Em Paris: Anicetô
Em Lisboa: Aniceto

r. disse...

Porreiro (pá)... sou uma alfacinha com alma alentejana.

r. disse...

Livre arbítrio na capital,então.

Ana Virtuoso disse...

será que estou a ver um look alike?

francisco feijó delgado disse...

Faz-me lembrar o meu tio que quando fazia exames aos jovens polícias perguntava sempre se sabia quem era o Gungunhana.

Pedro Aniceto disse...

"Conheço perfeitamente! Era o avançado-centro do Desportivo do Limpopo"