Não é difícil que a prosa me seja curta, me falte, seja escassa, ou pelo menos não é de todo garantido que consiga eu emprestar à historieta a graça que a mesma teve quando a ouvi. Ficará o leitor avisado e procederá ao respectivo desconto quando da última linha de tão pouco palavrosa lauda. Estamos em Chelas, em plena zona Jota e estão os personagens desta história, seis diligentes trolhas, serventes de construção civil perante o seu último dia de trabalho. Serão despedidos pela esquerda baixa, é verdade que não sabem disto ainda, o dia começou agorinha mesmo, o capataz há-de, do alto da sua autoridade e sapiência, comunicar-lhes o singelo facto lá mais pelo meio-dia, hora de intenso calor mas apropriada à solenidade da função. São oito da manhã de um dia qualquer e urge distribuir trabalho a pedreiros, ladrilhadores, canalizadores e electricistas. Sobrarão os trolhas, soldados rasos desta hierarquia da construção civil. A estes últimos são por norma atribuídos os misteres menos especializados, de força bruta, ou pelo menos de apenas força. "Está ali um semi-reboque carregado de tijolo e é preciso descarregar a carga à mão que o guincho está avariado!", disse o capataz aos seis trolhas. Trolha é trolha, degrau mínimo da escala social da massa bruta, há que obedecer e nunca mas nunca reclamar. Seis pares de mãos auxiliados pelos respectivos músculos que nem formigas no carreiro, vai de amochar, tijolo a ti, tijolo a mim, a coisa há-de, Deus queira e eu ajude, fazer-se. Fez-se. Pela uma da tarde estavam no chão três toneladas de tijolo dito de doze e diz-se da dúzia, caso não saibam, pelo número de buracos no bloco alaranjado, que isto é muito bonito de se saber e um homem está sempre a aprender e embora não ocupe lugar sempre é coisa para limpar um parágrafo. Foi neste interim que a autoridade do capataz se fez sentir, nem pigarreou, apenas puxou do fundo da laringe um sentido escarro que é sempre bom o capataz mostrar quem manda. "Hoje é vosso último dia nesta obra! Nao há mais trabalho para vocês, até às cinco o dia está pago, quem quiser ficar fica, quem não quiser pode ir embora ou fazer o que lhe apetecer". Disse isto e foi almoçar. Os trolhas, desolados pelo anúncio entreolharam-se, olharam uns para os outros melhor seria dizer ficaram ali a coçar a cabeça por debaixo do capacete como é próprio de quem vê o seu destino traçado pelo desemprego. A tarde correu mansa para os electricistas, ladrilhadores, pedreiros e canalizadores. Para os trolhas, deixados ali ao abandono não foi tão suave e leve. Sem uma palavra, sem uma combinação ou sinal, puseram-se novamente ao trabalho e no final do dia, o semi-reboque cujo guincho estava avariado, recordemos, estava de novo carregadinho de tijolo.
25 outubro 2008
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4 comentários:
Abaixo da categoria de trolha, temos ainda a de servente, digo eu...
Não tive esta clarividência de trolha para com o meu último patrão. Tenho pena. A filha da putice como resposta, quando bem metida, é genial!
Foi de "luva branca"
O servente é efectivamente a categoria mais baixa do "ranking" da construção civil, trolha (ou pedreiro) está um nível acima e, regra geral, isento desse tipo de trabalhos menos qualificados.
Outra correcção diz respeito ao tijolo, existem várias medidas, 7, 11, 15. Estes números são relativos a uma das medidas dos tijolos e não ao número de buracos. Assim, o tijolo de 7 mede 30X20X7, o de 11 30X20X11 e o de 15 30X20X15...
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