Eu sou um informático ou pelo menos tento convencer-me disso a cada dia que passa. Devia acreditar cegamente nos sistemas electrónicos de agendamento e devia, sem qualquer concessão, declarar guerra ao papel. Devia mas não o faço. Preciso do papel. Preciso de um volume espesso em que possa dar asas à minha selvagem imaginação e não há como uma folha para rabiscar um esquema, desmarcar um compromisso à força de riscos, mesmo que o volte a marcar no mesmo dia e à mesma hora.
Preciso que a minha vida fique ali, imutável a seu jeito, sem estar sujeita a riscos e desgraças electrónicas. Preciso de agrafar cartões, coisa que não posso fazer numa folha lindíssima, cheia de balões, lembretes e alarmes. Preciso de folhas imaculadas (por norma os Sábados e Domingos) para esgalhar um texto que me ocorra em qualquer momento. Preciso de uma agenda à séria, algo que não chegue ao final de Janeiro com o aspecto de ter saído de um caixote de lixo. Preciso que o corpo da minha agenda tenha espaço e margem de manobra para servir de arquivo de pendentes. Preciso de ter espaço.Muito espaço. Preciso absolutamente de ter a certeza de que se eu marcar uma reunião ou uma memória para daqui a nove meses, ela não corra o risco de se apagar numa mudança de máquina ou de se desvanecer num dos milhares de backups que eu faço durante um ano inteiro. Uma agenda é algo confiável, é físico, está ali. Posso agendar todos os jogos do Benfica e quando vou marcar uma apresentação pública olhar-lhe a folha da data e dizer "Ah, neste dia e a esta hora estou ocupado como o caraças..." e fazer um ar pesaroso enquanto fecho ligeiramente as páginas para que o meu interluctor não veja lá rabiscada uma águia ou uma baliza desconchavada. Preciso de poder sacar um instrumento destes de dentro da mala e dizer "Escolhe uma data". Num ápice. Tudo isto não se faz com um qualquer gadget, ou pelo menos grande parte disto não se faz com um aparelho sofisticado que por acaso tenho comigo em duas ou três versões. Uma agenda é o meu lado rústico, a minha negação da confiança electrónica.
A minha agenda sou eu, o tipo que se orienta perfeitamente no meio do papel e que sabe, quase sempre, onde tem as coisas, com quem reune, e com quem trabalhará. A agenda é o meu ritual matinal, a biblía orientadora do vestir e da centralização da atenção. E estamos a chegar a essa época do ano em que chega o terramoto mental da escolha de uma agenda que supostamente me acompanhará nos próximos 365 dias. Sou um tipo experimentadíssimo em agendas. Já as tive com espiral, muito prática, linda, espaçosa, cheia de apontamento divertidos. Mas dois meses depois, a espiral que andou esmagada dentro da mala, às turras com o computador, telefone e mais quinhentos cabos e merdices, parece ter sofrido um acidente de viação, fica uma vergonha, as páginas deixam de poder ser folheadas e o seu uso torna-se um castigo pesado. Já as tive com capa brilhante, encadernadas como um livro, Deixei de as usar. Os cantos outrora vigorosos perdem a rigidez como um dependente de Viagra. O brilho cai muito antes do Outono e chegam a meter dó. Já as usei de bolso, mas falta-me o espaço para a escrita. Acabo sempre na Agenda Condor... Todos os anos tento convencer-me de que para o ano não vou comprar e usar uma Agenda Condor. São feias. São muito feias.
Tento disfarçar a amargura com a escolha de uma cor mais a meu gosto, mas acabo sempre por dar com os burrinhos na água. Não deve haver no mundo da papelaria portuguesa uma agenda tão feia como a Agenda Condor. Mas deve ser a única que mantem o mesmo aspecto vigoroso com o passar dos meses. As folhas não pensam sequer em cair. Papel grosso mas sem couchés e brilhos que impeçam os lápis ou as canetas de escrever. Uma folha, um dia. Ali está espaço com fartura. Papel resistente ao apagar, ao reescrever. Lombada firme e hirta. Esta semana em que já estou a marcar coisas para o ano, vou precisar de arranjar uma agenda. Eu bem tento que não seja uma Condor, mas não deve haver grande alternativa...
12 novembro 2008
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11 comentários:
Como eu me revejo neste post...
Por muito que se ache piada a gadgets, há sensações, como a do papel e da caneta, que simplesmente são insubstituíveis.
No que a agendas diz respeito, aqui usou-se uma Moleskine este ano e assim voltará a ser em 2009.
Recomenda-se, portanto.
Aqui usa-se a agenda do nokia n70 que até sincroniza com o ical ;) mas também nunca rabisco esquemas, é tudo computorizado, preparo as aulas no mac
Muito boa escolha Miguel. Muito boa, mesmo.
ah...o papel.....
estou com o miguel caro pedro.
moleskine nunca me deixou ficar mal.
a ferramenta dos "artistas" para o utilizador frenético do dia-a-dia.
Ai és um informático... vendes uns pcs e tal...instalas uns programecos e navegas na net... e pronto - temos informático.
É mais ou menos isso...
Sempre vi lá por casa agendas da Quo Vadis. Há uns anos deixaram-se de se vender em Portugal, mas continuaram a ser encomendadas do estrangeiro (UK?).
http://www.quovadisplanners.com/ Belíssimo aspecto e belas capas
Sewn binding, lays flat when open
Só o flat when open vale dinheiro! ;)
Pedro,
Eu também tenho esse "problema"... o papel continua a ser uma necessidade absoluta, mas já me desacostumei das agendas. Agora utilizo apenas dois blocos de apontamentos: um de bolso e outro (maior) para os rabiscos de reuniões e coisas do género!
Pedro Aniceto
Estou solidário e já não me sinto "só" e antiquado.
Obrigado.
Uso há muitos anos a CONDOR e nos últimos anos NaturalKraft, de preferência VERMELHA!
Para 2009 vou "regressar" à Condor para o registo dia a dia e de cor verde seco.
A Condor (NaturalKraft) é insubstituível exactamente pelas razões expostas na mensagem original
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