06 maio 2009

Adeus e Aloha


Tenho nas mãos um dos mais curiosos e peculiares discos de música portuguesa que já me foi dado escutar. Tem por título "Adeus e Aloha The Portuguese Heritage oh Hawai'i" e os primeiros sons e vozes darão rapidamente ao mais distraído ouvinte a sensação de estar ouvindo música popular de raiz açoriana. Aliás, assim que observei a capa desta obra, claramente uma edição de recolha de sons de qualidades vocais um tudo nada duvidosas, a presença da iconografia insular é avassaladora. Estava eu ainda longe de ter ido mais além que a lista de nomes de temas e já me perguntava da razão da presença da Coroa do Espírito Santo em conjunto com homónima pomba representativa de cariz religioso. Sim, sabia que a emigração açoriana tinha sido bastante forte no Hawai'i (iniciou-se em 1775), mas desconhecia por completo o fluxo migratório madeirense, bem como alguns aspectos mais deliciosos que rapidamente alguns amigos me fizeram chegar ao conhecimento. Foi o próprio Rei do Hawai'i que em visita à Madeira em 1881 deu forte incentivo à emigração e ainda nesse mesmo ano, 800 açorianos e madeirenses viajaram para os férteis campos de cana do outro lado do mundo e em meados do século XX, estavam recenseados mais de 27.000 descendentes de lusos. Pegar nesta sonoridade tão actual é um exercício curioso. Se por um lado é fácil descortinar num Hino do Espírito Santo a sonoridade de um cavaquinho, a experiência torna-se mais tropical quando percebemos que o cavaquinho é de facto um ukelele, que os ritmos de caixa foram substituídos por xilofones e que as vozes (pena que nos coros sejam quase ininteligíveis), as vozes falem algo que já foi português de fortíssimo sotaque americano, mas não o suficiente para conseguir apagar as vogais fechadas, os ús cerrados e os éles madeirenses transformados em lhes. Mais do que uma mistura são as matizes da herança que o disco pretende recolher e apresenta numa amálgama de celebração negra, o piano de acompanhamento religioso tão típico do continente americano e uma ou outra incursão em terreno perigoso como a interpretação de um trecho de Revista Portuguesa, o "Lisboa não sejas francesa", capaz de me levar ao desespero na tentativa de identificar uma letra que conheço tão bem ou de me enternecer a reconhecer a melodia quase intacta do "Alecrim, Alecrim aos molhos". Lamentavelmente o quase sempre inesgotável YouTube não possui registos audio ou video desta obra, editada em 2001 pela PAN Records.

6 comentários:

Anónimo disse...

Pedro,
não podes gravar isso?
Gostava de o enviar ao ChesSurfer
que até conheces,
em Mauí...!

francisco feijó delgado disse...

Ou em alternativa, o ukelele é de facto um cavaquinho!

pin-a-cloth disse...

Se não há no youtube, tens de ser tu a tratar disso! =)

interventoria disse...

Onde arranja essas coisas?

Pedro Aniceto disse...

Os caminhos do Senhor são misteriosos e não têm Via Verde o que parecendo que não, é uma vantagem...

Nestum disse...

Por acaso, a RTP-Açores tem um arquivo interessante de histórias da diáspora açoriana, principalmente em Santa Catarina no Brasil, Hawai e muitos outros destinhos nos EUA e no Canadá.
O que me parece interessante na emigração é a forma como se conserva a tradição. Parecem pedaçinhos de cultura congelados no tempo. Atrever-me-ia a dizer que os emigrantes são a cultura do povo português no seu expoente máximo. Eles não se deixaram corromper por modas ou pelo tempo.

Cumps.