12 março 2010

Almas quentinhas

Foi uma hora técnica e densa de um Workshop público. Quando profissionalmente se repetem as agendas e fazemos sistematicamente a mesma coisa dias e dias a fio, chegamos a um ponto de náusea repetitiva em que sabemos quando respirar, quando coçar o nariz ou outras partes mais necessitadas de serem coçadas. Sejamos francos, sessões assim são uma seca valente quando já as fizemos mais trezentas vezes e só são interessantes para a plateia, e é mesmo assim necessário que haja nela gente verdadeiramente interessada no que estamos a dizer. Para um orador treinado é fácil perceber quando agarramos a assistência. Se alguém desvia os olhos do ecrã à procura de pintinhas no tecto, ou está mais interessado nos contornos da blusa da vizinha do lado (coisa que está vedada ao orador por razões absurdamente óbvias), sabemos que precisamos de rever o tom de voz, de procurar os olhos de um ou outro espectador, precisamos enfim de os chamar de volta à terra. Foi o caso desta sessão. Foi chata, foi desinspirada, absolutamente aborrecida. Há dias assim. Por isso, quando cheguei ao final, respirei fundo e anunciei a parte de perguntas e respostas, foi sem surpresa que ninguém levantou a mão ou manifestou o mínimo interesse em perguntar o que quer que fosse. Mas havia uma criança na plateia. Não teria mais de seis anos, chamava-se, vim a saber mais tarde, Constança. Levantou a mão e esperou que eu reparasse nela. Instei-a a perguntar, o que fez sem esforço. Recordo-me de ter pensado o que poderia esperar da pergunta. Afinal de contas de uma sessão de software para apresentações, o que poderia a Constança querer que me afastasse da minha pausa nicotínica? E a Constança, corou e perguntou. Perguntou-me como é que naquele software se podiam desenhar corações cor de rosa. Isso. Corações cor de rosa. E estive trinta minutos a explicar-lhe como é que usando Bézier Tools se podiam desenhar corações e afogá-los em tons cor de rosa. Ninguém se levantou, ninguém bocejou, ninguém interrompeu. Estive trinta minutos a falar para a Constança. E valeu por todo o meu dia.

6 comentários:

Marta disse...

Twittei mais ou menos isto, mas venho cá deixar: isto é uma ternura. Consigo ver a cena. Viva a Constança e os corações cor-de-rosa aos seis anos!

maragitado disse...

Já tinha comentado o tweet, mas, agora que li o texto,tudo ficou mais lindo, com som e a cores.
Adorei.
São momentos como esse que viveu que nos levam a dizer que, de facto, tudo valeu a pena.
Thanks for sharing

Ana disse...

E o meu coração também ficou quentinho com este post. Parabéns!

Ricardo Guimarães disse...

Pois Pedro, não costumo comentar os teus Posts pois tenho receio de ser mail interpretado (não por ti obviamente). Mas desta vez não resisti.
Por razões profissioais e pessoais senti todas as letras, pontos e vírgulas do teu Post e mais ainda senti o final bonito e feliz.
E agora volto ao meu silêncio contemplador...

m.camilo disse...

E eu? Vou comentar o quê? 'Tou farto de me rir com os outros "posts".

LittleHelper disse...

:( - Podemos estar assim com a vida

:'( - Enternecer com estes momentos

:| - Que nos fazem reflectir

:) - E, finalmente, sorrir!

Parabéns.