25 maio 2010

Fui ao Inferno e voltei

São vinte horas e vinte e nove minutos do dia de ontem; o leitor não estava lá, está aqui comigo, agora, ou amanhã ou até mais tarde, não importa, nunca será a mesma coisa, nunca, repito-o para mim mesmo dúzias de vezes, ao leitor caberá acreditar, ou fingir que acredita, pouco me importa e eu nunca saberei mesmo que finja, eu ou você o leitor, não me zangarei consigo e da inversa também nunca saberemos porque é essa a natureza das coisas simples que sempre algures se complicam. O que interessa à narrativa é que hoje é efectivamente o dia de ontem e ninguém alvitre a feita frase "Estavas lá tu", porque como disse e repetirei, nunca será a mesma coisa.

...É mais do que um caso de polícia. Às oito horas e vinte e nove minutos do dia 24 de Maio de 2010 testemunhei um acidente com uma criança que aparentava ter quatro anos, que ficou presa pela cabeça nas cancelas de vidro das portas automáticas da entrada da estação do Metropolitano do Saldanha. Duas pessoas, tentaram aflitivamente, sem qualquer sucesso, desbloquear o criminoso torno mecânico em que a cancela se transformou, dispostas a destruir o mesmo se preciso fosse, enquanto comunicavam o possível através de frases curtas que tentavam sobrepor-se aos gritos lancinantes da criança. Impotentes para lhe servir de qualquer valia, até que alguém chegasse, relembrei mais tarde em pleno período de descompressão, na imbecilidade que já aqui referi em tempos. O botão anti-pânico, que a maioria dos utentes do Metropolitano não sabe onde está, só é acessível do lado de dentro dos vidros altos e não lhe consegui chegar em tempo útil. É criminoso. Merecia uma reflexão profunda de quem planeia e autoriza estes sistemas. Amanhã ninguém se lembrará disto, mas eu dificilmente vou esquecer-me do horror e aflição que presenciei.

São oito e vinte e nove, estou certo disso, acabei de dar uma olhadela à clepsidra japonesa que me atravanca o pulso, calhei olhar, se temos olhos é para ver, diria o outro, se vemos é bom que reparemos e, pausa feita para vencer o último degrau do lanço de escadas que descia quando era ontem e para si hoje, deparei com o Inferno.

13 comentários:

maragitado disse...

como acabou? o que foi feito/possível fazer para salvar a criança?

Tuaregue disse...

Este acidente, que tb pode acontecer nas escadas rolantes, felizmente acabou bem!
http://www.liveleak.com/view?i=8ae_1274688488

botinhas disse...

Essas portas do Metro são a maior aberração que eu já alguma vez vi. Não podiam ter posto simplesmente daqueles torniquetes?!?

KIT0 disse...

Botinhas, não é preciso torniquetes, basta ver o caso do Metro do Porto que não possui nada, apenas que as pessoas pensem em não viajar sem bilhete (juntando também uma apertada vigilância e bastantes revisores para persuadir quem viaje sem bilhete)

a friend disse...

É o que dá trabalhar até tarde

Psicotrónica disse...

Não concordo com o Botinhas. O mais certo foi a criança ter entrado em pânico.
De qualquer modo, esses (e muitos outros) equipamentos não são brinquedos, apesar de muitos progenitores acharem que sim.
E o acidente espreita onde menos se espera. Este fim-de-semana morreu, afogada, uma criança no rio que passa em Odivelas. Altura da água não cobre o tornozelo de um adulto. No entanto, numa zona de confluência, tem uns fundões com cerca de 4 metros. Foi exactamente aí que a tragédia se deu...

Pedro Aniceto disse...

Fernando, não presuma o que não conhece. Se tivesse duas placas de vidro a pressionar-lhe as têmporas e se visse apertado como eu vi aquela criança (que nada fez de errado, pois sucedeu tudo a poucos centímetros de mim), o pânico é absolutamente natural.

francisco feijó delgado disse...

É uma questão de se pensar melhor (como mais do que um botão de pânico, sensores de pressão, etc).

Infelizmente num sistema que não se entende com os cartões que tem, ou em que se desenham estações em que os deficientes motores podem chegar mas não podem partir (o cais-do-sodré só tem elevador NUM dos lados - e não é uma estação com 40 anos) a questão é sempre a mesma: incompetência e falta de profissionalismo (dos que fornecem os equipamentos, dos que os compram, dos que os testam e dos que que gerem isto tudo).

Jorge disse...

Dissuadir, Ricardo.

deKruella disse...

Também já fiquei com uma perna entalada numa dessas portas, no Campo pequeno...o pior é que uma porta faz força para um lado e a outra para o outro.

Estava uma pessoa naquela casinha que vende bilhetes que não levantou o cu com a minha aflição...serviu-me, felizmente, a rapidez de acção de um senhor que passou com o cartão dele no sensor e a porta abriu.

Pobre criança...não deve ter ganho para o susto.

Carlos Rodrigues disse...

O metro ter as portas de vidro em vez de apenas torniquetes é simples, as pessoas saltam mais facilmente por cima dos torniquetes.

Ser ou não ser uma rede aberta (que foi durante mais de 30 anos) é outra história. Só quem tomou a decisão de fechar a rede é que sabe se os milhões largos que custou compensam ou não...

Quanto ao incidente em si... eu desconfio que alguém tentou fazer passar duas pessoas com apenas um bilhete... Não é coisa que aconteça poucas vezes e normalmente dá mau resultado.

Ana disse...

Mas, Pedro, continuo com a dúvida do maragitado, como acabou? Como e que ficou o miúdo?

Pedro Aniceto disse...

A criança ficou bem, com algumas marcas, mas sem danos visíveis.