Não me é fácil explicar. O drama, o horror, a tragédia, o fumo do assador dos couratos. Estamos num campo de futebol. O leitor imaginará, mas dê o devido desconto, aliás, dê mais que o devido porque a causa é nobre e promete. Estamos num campo de futebol, pois, já tinha dito, é dos nervos. Estamos na decisão do Campeonato. Não é bem, mas quase. Um pequenino clube de aldeia, a lutar pela sobrevivência na Primeira Divisão Distrital enfrenta o último jogo de um longo e martirizante campeonato. Ali ninguém ganha milhões.Nem cêntimos. Nem uma bifana e um Sumol de laranja. Nada. Puro suor e amor à camisola amarela que uma das equipas enverga. É um jogo dramático, há insultos. Muitos. Nervos, onde é que já vai a franja. É dramaticamente simples. A equipa amarela precisa de um empate para evitar a descida aos infernos, sendo que os infernos dão pelo pomposo nome de Segunda Divisão Distrital. Dito assim não parece muito mau. Mas se deixar de dourar a pílula e disser que é a última divisão de um campeonato nacional de futebol, mesmo o leitor mais distraído compreenderá que abaixo disso só um jogo de matrecos. Está dito. Assim, à bruta. A equipa amarela joga em casa. Se chamarmos casa às suas instalações desportivas. Adiante. É a vida dos pequenos clubes e nos tempos que correm, dispor de um campo já é um luxo, luxo asiático que sai da pele dos jogadores (literalmente) e da dos Directores que pagam mais do que o que conseguem obter em troca.
Já decorreram oitenta e cinco minutos do tempo regulamentar de jogo e há lágrimas ao redor do campo. Não há bancadas mas há amor. Muito amor pelo pequeno clube que está à beira do precipício. Os da casa perdem por 2-3 e estão, aparentemente, condenados à descida. Já pouca gente acredita no milagre. Insulta-se o árbitro. Os fiscais de linha estão ali à mão de semear e as respectivas mãezinhas devem ter as orelhas a arder. Não é todos os dias que naquele campo se pode insultar um árbitro de renome. Quis o destino e a Federação que aquele fosse considerado um "jogo de risco". Veio um árbitro da primeira categoria. Eu disse da e não de. Quer parecer-me que em casa, a perder por 2-3, nem Pierluigi Collina deixaria de ser insultado até à quinta geração de antecessores. Ninguém está contente. Há um efectivo policial absolutamente anormal para um jogo deste campeonato. Seis soldados da GNR tomam posição em locais estratégicos. Se o pior acontecer há que prevenir a saída em segurança da equipa adversária e do trio de arbitragem.
Cumprimento um dos Directores e dou-lhe uma palmada solidária no ombro. Pura compaixão pelo momento amargo que está a viver, rodeado das pessoas da terra e de alguns forasteiros que querem bem aos que equipam de amarelo. Estranho, mas não comento, que este Director leve pela trela um dos seus cães. Pessoa amiga dos animais, não me admira que o passeie, mas ali é estranho, fora de comum, vá lá, absolutamente bizarro ver um homenzarrão na companhia de um dálmata gordo e anafado, que preferira decerto uma sombra e uma malga de ração.
Por razões de horário e de cruel destino, vejo-me forçado a sair dali. A cinco minutos do final, convicto de que não quero assistir ao choro que se prenuncia, meto-me no carro e vou-me embora lamentando que na primeira vez em que assisto ao vivo a um jogos dos amarelos, estes percam não só o jogo mas também a honra. É triste e não quero e posso testemunhar.
Mas deu-se o chamado milagre. Um minuto para lá dos noventa, uma substituição. O jogador que entra corre para a área, pontapeia e desdita e a cuja e o esférico atinge a glória. Chorou-se de novo, dizem-me, não vi, mas desta vez de alegria. Faltam apenas dois minutos, o que são dois minutos para conquistar a felicidade? Aguenta! Aguentaram. Dois longuíssimos minutos em que muita coisa aconteceu e muitas mais poderiam ter acontecido. Dizem-me que uma das mais importantes foi a ordem de abrir o bar...
Ninguém mais se lembrou do árbitro, da mãe do árbitro, das avós do árbitro e de toda a família mais directa dos fiscais de linha. Depois do apito final, a invasão de campo, a invasão do bar (sempre mais concorrido) o enxugar das lágrimas, e o afogar da alegria. Tudo mudou num pontapé.
Horas depois, em pleno largo da aldeia hei-de interrogar o dono do cão. Chama-se o canino, Júnior, para umas festas enquanto me são contados os pormenores que eu perdi por meros cinco minutos. Hei-de. a dado passo, perguntar o que raio fazia lá o cão. Não acho nada normal. É -me explicado que o cão faz parte de um plano secreto. Que está ali, bem treinado. Que à ordem de um sonoro "Vai Júnior!", saltará o pequeno muro que delimita o campo e correrá para a marca de penalty e ali se sentará até que o dono o chame. "Sempre ganhávamos uns minutos se preciso fosse...". Rio-me. Rio-me mas pergunto o que sucederia se um adversário aviasse um valente chuto no cão. "Cartão vermelho, Pedro! Cartão vermelho!". Estou sempre a aprender.
06 junho 2011
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4 comentários:
isto foi nos dias de hoje?
Anteontem... ;)
"A minha vida dava um livro", para quando Pedro ?
Estás a ver Pedro, já podes dizer que aprendeste qualquer coisa (pouca) sobre arbitragem...e ainda bem que se mantiveram as duas equipas :)
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