25 setembro 2011
Saber usar a nova ortografia
Não sou um adversário da aceitação do Novo Acordo Ortográfico. Algumas das poucas dúvidas que tinha sobre este assunto foram positivamente demolidas por uma conversa com um dos anteriores ministros da Cultura, José Pinto Ribeiro, conversa essa que gostaria de ter gravado para a dar a ouvir a todos quantos enveredam pela contestação. Só que, apesar de estar disposto a grafar segundo as novas regras, ainda não tracei uma data para o fazer. E isso de algum modo, incomoda-me bastante...
Na passada sexta-feira e durante a minha visita a Bruxelas, tive o prazer de estar presente na Livraria Orfeu para o lançamento do livro "Saber usar a nova ortografia", da autoria de Edite Estrela, Maria Almira Soares e Maria José Leitão (Objectiva Editores). Tratava-se de uma excelente oportunidade para ouvir não apenas as autoras, mas também os apresentadores do livro, que divididos por duas facções (pró e contra o acordo) haveriam de explicar à atenta plateia os seus argumentos.
De um lado o Professor Vital Moreira, a favor do acordo desde o momento em que foi aprovada a sua introdução e do outro lado da argumentação a jornalista Fernanda Câncio. Como já expliquei, não estava à espera deste lançamento para me decidir, mas ainda assim não pude deixar de, interiormente, dar razão em certos momentos às duas posições antagónicas. Vital Moreira a apoiar-se na globalidade de uma norma universal, Fernanda Câncio a assumir o sentimento de perda no uso das desaparecidas consoantes mudas. (Piada privada: Fernanda, o teu Macintosh nunca irá sugerir a nova grafia, acredita em mim...)
No final, e em momentos diferentes, tive oportunidade de tagarelar um pedacinho com Vital Moreira, Fernanda Câncio e com as autoras. A todos expus a minha única reclamação da nova grafia, a única palavra que verdadeiramente me arrepia quando a vejo escrita de forma diferente do habitual e é nem mais nem menos do que a palavra "pára". Quando escrevíamos "O comboio pára nesta estação", passaremos a escrever "O comboio para nesta estação". Quer as autoras, quer Vital Moreira recorreram rapidamente à explicação de que contextualmente o receptor consegue imediatamente dar à palavra "para" o seu correcto sentido. Mas e quando usamos com as novas regras uma frase que me é tão querida como "Ninguém para o Benfica"?. Edite Estrela confessou mesmo que de facto esta situação lhe provocaria algumas hesitações. (Já Vital Moreira "despachou-me" com um pouco elaborado argumento sobre a facilidade de contextualização em slogans...)
Este livro não é uma obra de "evangelização" sobre o Acordo Ortográfico mas sim um manual técnico cheio de exercícios reais para quem se interesse por uma preparação adequada na adopção da nova grafia.
Durante a escrita deste Post, consultei por duas vezes um dicionário. Escrevo com a grafia antiga e tenho as minhas dúvidas de quando em vez. O investimento que terei de fazer em termos de tempo para escrever com a nova grafia, assusta-me. Disse.
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7 comentários:
Blarrrghhhhhh!!!!!..... (este assunto revolve-me as entranhas) :-s
E Gil Vicente na grafia original, não?
Trabalhando com livros de variados séculos, nem me aquece nem arrefece.
É estranho, mas também não será por isto que irei de cartaz para o meio da rua.
Aí está um debate ao qual gostava de ter assistido. Para além do "pára" também embirro especialmente com "espetadores" (de cinema por exemplo).
É óbvio que a ortografia vai evoluindo. Nem é preciso ir tão atrás como Gil Vicente. Grande parte da resistência a este Acordo Ortográfico vem do hábito. Vem de se ter de reaprender coisas que já estavam mais do que aprendidas. No entanto parece-me que este AO vem trazer a uma língua já de si complexa ainda mais complexidades e excepções às regras gerais.
Eu até concordava com o remover das consoantes mudas, desde que substituídas por acentuação que eliminasse ambiguidades. Mas pelo contrário o AO até tira acentuação que faz falta ao português europeu (como o pára).
Confesso que não vou esforçar-me muito para usar a nova ortografia - acho que vou fazê-lo aos poucos. Acho que vou aprendê-la por osmose. Raios, eu já não compreendia a antiga, se tiver que parar para aprender a nova, vou renunciar ao idioma! :)
Há muitas coisas que assustam. De entre as piores, a ideia, difícil de ultrapassar, que essa suposta “norma” não existe nem existirá. A ideia que se faça uma normalização ortográfica multiplicando excepções e duplas grafias… Faz algum sentido que em Portugal se passe a escrever respetivamente e no Brasil respectivamente? Isto não lembra nem ao MJ. E a ideia de que o que unirá as variantes da língua é a ortografia… pura idiotice. A língua portuguesa estaria mais bem defendida se se assumissem as suas diferenças do que inventando uma “norma” artificial. A fazer uma norma, e fazendo fé na tentativa de facilitar o ensino, então deveria ir-se mais longe e simplificar a língua, eliminar as duplas grafias, cortar a direito. Podia haver contestação, mas percebia-se o projeto. Desta forma, há contestação na mesma e o resultado é pouco mais do que pobre.
Estou um bocado como o Álvaro. Primeiro, os PALOP não assinaram, pelo que o acordo é apenas com o Brazil. Segundo, se é para uniformizar a língua, como afirmam, não percebo como se consegue sem passarmos a falar "brasileiro".
É que não vamos inverter os pronomes "ele me disse", não vamos trocar a segunda pessoa pela terceira, não vamos dizer "concreto" em vez de "betão", "time" em vez de "equipa" e por aí adiante. Há casos até bicudos: o meu preferido é o "telespectador", que se transforma em "telespetador" que me faz sempre lembrar uma máquina de fazer espetadas com controlo remoto.
Não tenho nenhum complexo de ex-metrópole: não há dúvidas de que o futuro do Português é o Português do Brasil, e se calhar até vamos passar a falá-lo no cá. E não vejo mal em actualizar-se a grafia, já que também eu não escrevo "farmácia" com "ph". Mas a justificação para este acordo, parece-me bacoca.
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