19 abril 2012

Sobre a dispensa de João Gobern

..."João Gobern, comentador de futebol num programa de televisão, foi dispensado por ter recebido a notícia de um golo do Benfica com um festejo contido. A RTP dispensou-o por ter festejado; eu tê-lo-ia dispensado por ter festejado contidamente. Celebrar um golo de qualquer clube é um acto de liberdade. Celebrar um golo do Benfica é um acto de liberdade e de bom gosto. Quem contém a liberdade e o bom gosto merece castigo. Aqueles que acusaram a RTP de perseguição aos vermelhos estavam certos apenas em parte. Este novo macartismo é, na verdade, daltónico. Amanhã acontecerá o mesmo com adeptos do Sporting, do Porto, do Braga, do Arrifanense. Não se admite que quem fala de futebol goste de futebol. Quantos dos nossos amigos que se interessam por futebol e gostam de falar sobre ele não têm clube? Quantos dos que apreciam literatura não têm escritores preferidos? Quantos dos que sabem de música não se emocionam mais com um compositor do que com outro? E, no entanto, a esmagadora maioria dos comentadores de futebol que vemos na televisão não tem clube preferido. São apenas entusiastas assépticos das transições defensivas, burocratas da basculação, geómetras do duplo pivô. Não são exactamente seres humanos. São semideuses que não se deixam afligir pelas paixões da alma. Ora, estes comentadores, tal como João Gobern, não relatam factos, comentam. Exprimem opiniões. O que torna o seu trabalho muito mais difícil, uma vez que os robôs não têm opiniões. Os comentadores políticos podem manifestar a sua preferência por determinado programa político ou líder partidário. Nenhuma estação dispensa um crítico de cinema quando exprime regozijo por um filme ou um artista da sua predilecção ter vencido um prémio. No futebol, talvez por ser matéria mais importante que a política e a arte, não se admitem gostos. Há uma única excepção. Quando a brava selecção lusitana defronta a estrangeirada bárbara, não só os comentadores como os próprios jornalistas podem festejar o que quiserem, designadamente atirando ao ar os papelinhos que resultaram de terem rasgado o código deontológico. No futebol, o amor à pátria é o único que se tolera. Parece-me mais proveitoso que quem exprime opiniões sobre futebol tenha mesmo opiniões sobre futebol. E parece-me mais honesto que não as esconda. Pessoalmente, nunca escondi que sou do Benfica, não por uma questão de honestidade mas de imodéstia: ser benfiquista é a minha melhor qualidade - se não for a única. E não tenho grandeza de carácter suficiente para a manter secreta. Um adepto do Vasco da Gama chamado Carlos Drummond de Andrade escreveu: "Para o diabo vá a razão quando o futebol invade o coração." Felizmente, a RTP já não foi a tempo de lhe mergulhar o coração em formol."...

(Ricardo Araújo Pereira, in Visão)

3 comentários:

Azul...claro !! disse...

João Gobern não estava naquele espaço como adepto do Benfica (como outros estão noutros espaços), estava como comentador, e deveria exercer o sua função da forma mais isenta possivel.
O problema não é o facto de João Gobern ser benfiquista, toda a gente o sabia, (tal como o facto de o seu companheiro de programa ser portista) o problema é que ele exerceu o seu benfiquismo no local errado à hora errada. Esse foi o problema e João Gobern bem percebeu o erro que cometeu pois colocou o seu lugar à disposição.
Tentem fazer o paralelo desta questão com um arbitro. Também ele tem o direito de ter clube. Não pode é exercer o seu clubismo enquanto apita um jogo, seja ele qual for. Imaginem um arbitro a arbitrar um jogo do SLB, recebe noticia de um golo do FCP e festeja. Seria isto um acto de Liberdade para RAP? Seria bom gosto? Com certeza que não.

night disse...

se a hora errada para "exercer Benfiquismo" é quando o Benfica marca um golo decisivo não sei quando será a certa...

jmc disse...

A história está mal contada. A RTP despediu João Gobern porque o governo mandou a administração cortar nas gorduras...