15 junho 2012

Esta noite no Arena Gdansk

Há adeptos de futebol em todos os países e depois há... irlandeses. Se houver um prémio de entusiasmo, apoio, amor pelos seus símbolos sem uma ponta que seja de mau perder, que seja rapidamente entregue à Selecção da Irlanda, que ontem mesmo, esmagada pelo futebol espanhol, castigada com quatro golos sem resposta (conta que poderia ter sido muitíssimo maior...), responde com fair-play e a confissão de que durante 90 minutos nada mais fizeram que "caçar fantasmas", como escutei agora mesmo a um médio irlandês em declarações a uma estação de televisão. Nas bancadas foi a festa. A festa, meus senhores. Cânticos consecutivos, afinadissimos,de um fervor quase religioso, capazes de me fazer sentir arrepiar, comum adepto, nada dado a grandes empolgamentos ou a crenças divinas. Cânticos, meus caros, entoados a plenos pulmões e com uma alma imensa bem visível quando a sua equipa, aquela por quem se mascaram a preceito numa amálgama verde está à beira do colapso no resultado. Não tenho qualquer dúvida de que aqueles minutos a partir do octogésimo quarto e até ao final da partida, ficarão para sempre na mente de quem teve o privilégio de a eles assistir, bem como na História deste Europeu de futebol. São às centenas as homenagens de amantes de futebol que estão a ser deixadas nos comentários do Youtube, por gente que nunca esteve esta noite no Arena Gdansk.

Não deve ser fácil para nenhum adepto, viajar milhares de quilómetros com todos os sacrifícios que isso implica e festejar um jogo de futebol como o faz esta gente que dignifica e de que maneira a essência do futebol que tantas e tantas vezes julgo perdida para sempre. E guardo também a decepção de um outro jogador irlandês que pediu publicamente desculpa pelo facto da sua equipa não ter sequer conseguido marcar um golo, um só golo, para que as bancadas pudessem ser recompensados pelo orgulho e crédito que dão ao seu país. É bonito. Muito bonito. E dá que pensar.

Este assunto interessou-me de sobremaneira e sobre ele quero deixar duas notas adicionais: Algum do ambiente do Arena Gdansk ontem ao fim da tarde pode ser saboreado em múltiplos testemunhos de gente de um grande número de nacionalidades em vídeos e comentários de Youtube. Um desses videos, aqui deixado pelo leitor Kit0 (comentario que agradeço deveras), pode ser visto aqui. O outro factor que me chamou a atenção, foi o nome do hino cantado com fervor pelas bancadas. The fields of Athenry é uma canção popular irlandesa, que tem a peculiaridade de ter a sua letra vindo a ser adaptada a variados eventos desportivos, mas também a ser uma arma política e social. Durante os períodos de maior tensão militar, era cantada nos estádios (de futebol mas não só) uma letra com alusões directas ao Sinn Féin. A letra original, mais "escutável" pode ser apreciada aqui. (Obrigado ao Arcebispo de Cantuária). E não deixa dúvida alguma sobre o envolvimento emocional de quem a entoa. É uma balada triste, (tristíssima) que conta originalmente a partida de um condenado da Grã-Bretanha para Botany Bay, a colónia penal em terras austrais, pelo roubo de milho a um senhor irlandês, Lord Trevallion ainda hoje considerado uma das figuras mais infames da História irlandesa.

 "...Against the famine and the Crown, I rebel, they cut me down..."

2 comentários:

POC disse...

Bravo. Adorava ter lá estado.
E grande descrição, parabéns.

KIT0 disse...

Ler o texto enquanto ouve isto:

http://www.youtube.com/watch?v=BVcFOvUhhT8