30 julho 2012

Carta aberta ao Director de A Bola

Exmo. Sr. Director de A Bola

Queira, antes de mais aceitar os meus mais calorosos cumprimentos. É, muito  possivelmente a primeira vez que lhe endereço uma carta, ainda por cima aberta, mas não posso, em boa razão deixar de lhe manifestar a minha indignação, ou mais do que esse sentimento, a minha pena, pelas razões que lhe passo a expor.

Publica hoje, na página três do jornal que V.Exa superiormente dirige, uma coluna com a habitual crónica de Hermínio Loureiro, intitulada "Grandiosos" e é por aí que começo este meu lamento. Que um ex-Presidente de uma Liga desportiva e um ex-Secretário de Estado do Desporto não saiba escrever uma máxima olímpica e grafe "Sitius, Altius, Fortius" em vez da síntaxe correcta, confesso muito sinceramente que não me espanta. Nada mesmo. Mesmo que seja um erro escrito numa língua morta. Mas que um jornal como A Bola não efectue uma revisão de texto em que se condoa (é o termo exacto) da prosa do colunista, isso magoa-me.

Sabe, Sr. Director, eu cresci a ouvir pessoas a dizer que aprenderam a ler nas páginas de A Bola. E devo informar que durante alguns anos achei um perfeito exagero, que possivelmente não passariam de gabarolices de velhinhos que me confiavam o seu jornal na condição de o devolver lido e desenxovalhado.

Ler textos deliciosos de Carlos Pinhão, Aurélio Márcio, Bruno Santos (entre outros saudosos nomes) obrigou-me a enriquecer os meus hábitos de consulta. Passados alguns anos sou eu a dizer aos que me ouvem que também eu aprendi muito nas páginas do vosso/meu jornal. A Bola passou a ser uma fonte quase inesgotável de novo vocabulário e uma das razões porque senti falta de um dicionário na estante do meu quarto. João Alves da Costa (e os outros, mas sobretudo este último) tem uma quota muito grande no acervo de vocabulário que entretanto adquiri. Culpa de A Bola, sem qualquer réstea de gabarolice de velhinho que ainda não sou e por via de quem continuo a gostar de jornais lidos e desenxovalhados.

Infelizmente, o caso que aponto (falta de revisão) não é um caso virgem nos últimos anos de A Bola. Perdi a conta às vezes que os meus já poucos cabelos se arrepiaram e nem sempre por falha de revisão (que, a existir, teria detectado as indesejáveis falhas que jamais chegariam aos leitores...). Se não há jornal sem gralhas, animais que se desculpam, já a falta do saber é mais grave e tinha no meu/seu tempo uma outra correcção que não a electrónica.

Quis a ironia que sempre envolve estas questões, que a sua peça de hoje (Diário de um jornalista em Londres) verse precisamente pela sua afirmação de que, e cito "lamento, mas o primeiro objecto dos jornais não é o de educar o povo". Afirmação controversa, é certo, não a discutirei, mas aproveite por favor o seu posto, a sua profissão, para não fazer precisamente o contrário, o de o deseducar.

Porque pior do que um erro de língua morta, é o hábito da letra morta.

Renovo-lhe os meus mais cordiais cumprimentos

Pedro Aniceto

3 comentários:

ZeCompadre disse...

http://en.wikipedia.org/wiki/Citius,_Altius,_Fortius

Citius :)

nmlima disse...

Pwnius :)

Vasco disse...

Deixou de fora talvez o maior deles todos, Alfredo Farinha, que era versado em latim como poucos e cujas crónicas mais marcaram a época dourada dos que aprendiam com a A Bola.