"Vá, como se fosse uma pena. Com jeito caramba!", Eu não sei o que será feito do velho Lopes, de cigarro no canto da boca, duas mangas de alpaca e um taco reluzente na mão esquerda (sempre na mão esquerda), ele que nem canhoto era mas que insistiu comigo até à exaustão para que eu aprendesse a jogar bilhar à esquerda. Para mim o Lopes vivia no Salão Mundial, ele estava sempre lá e era a ele a quem recorríamos para discutir regras (éramos demasiado pequenos para chegar ao quadro de leis do jogo que havia dependurado a meio da sala). O Lopes zelava pelo silêncio necessário à inspiração da tacada nem que para isso fosse preciso puxar umas orelhas, mas sempre à socapa, sempre em silêncio que o Salão Mundial pedia meças a uma igreja em luz e falta de som. "Tens dinheiro, puto?". Era sacramental a questão, a malta remexia os bolsos, puxava de vinte e cinco tostões e alinhava as moedas na dobra do pano verde, junto à tabela, sabendo que se jogasse bem o milagre da multiplicação das moedas haveria de acontecer, e exceptuando algum "prego" ou bola fora do pano era-nos concedida a graça de levar mais dinheiro do que o que tínhamos trazido. "Vai para o primeiro andar, acende a luz e limpa a mesa". A protecção era a regra, a nenhum dos miúdos era perguntada a idade (cresce e aparece, pá!) se estivesse com o Lopes. "Levezinho, como se fosse uma pena. Com jeito caramba!". "Não sabes como fazer um efeito? Já perguntaste ao teu professor de física porque é que há efeitos?". (Levámos lá uma vez um professor, mas não era de Física, era de Carpintaria e o Lopes não ficou nada satisfeito). "Tu ainda não tens idade para saber, mas a bola tem de ser levada como as mulheres, com jeito e como se fosse uma pena...". Quando há pouco li que o Salão Monumental vai fechar para dar lugar a uma loja chinesa, lembrei-me dos sons, dos cheiros e do Lopes. E fui ali à prateleira olhar para um cubo de giz azul. Ao lado, deixei uma moeda de vinte e cinco tostões. Com jeito, como se fosse uma pena.
29 junho 2006
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4 comentários:
Não me consigo lembrar do Sr. Lopes, mas lembro-me como se fosse ontem dos dias em que apanhava o 9 nos Prazeres, e em vez de usar a hora e meia de almoço que tinha para comer, ir jogar para o Salão Mundial. As amigas do Pedro Nunes estavam na Pizza Hut com o pedido feito e a 5 minutos do toque de entrada ia ao outro lado da rua comer a correr e ainda a tempo de apanhar o 9 de volta! Naturalmente que chegava às aulas de matemática sempre atrasado. :)
Ah! Foi por alguns anos de diferença que não andámos à pedrada!!! Sim, eu estava no proletariado do outro lado do muro, na Machado de Castro.
Era preciso ter muuuuita força para fazer chegar uma pedra da Machado de Castro aos Salesianos nos Prazeres! ;)
Ops! Vi Pedro Nunes e ericei-me logo todo... As minhas excursões aos Prazeres também dariam boas histórias. À Josefa, por exemplo. Ou às trocas/compras/vendas de cromos na Papelaria de cujo nome agora me não recordo, mas de que tu te lembrarás...
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