29 junho 2006

Salão Mundial

"Vá, como se fosse uma pena. Com jeito caramba!", Eu não sei o que será feito do velho Lopes, de cigarro no canto da boca, duas mangas de alpaca e um taco reluzente na mão esquerda (sempre na mão esquerda), ele que nem canhoto era mas que insistiu comigo até à exaustão para que eu aprendesse a jogar bilhar à esquerda. Para mim o Lopes vivia no Salão Mundial, ele estava sempre lá e era a ele a quem recorríamos para discutir regras (éramos demasiado pequenos para chegar ao quadro de leis do jogo que havia dependurado a meio da sala). O Lopes zelava pelo silêncio necessário à inspiração da tacada nem que para isso fosse preciso puxar umas orelhas, mas sempre à socapa, sempre em silêncio que o Salão Mundial pedia meças a uma igreja em luz e falta de som. "Tens dinheiro, puto?". Era sacramental a questão, a malta remexia os bolsos, puxava de vinte e cinco tostões e alinhava as moedas na dobra do pano verde, junto à tabela, sabendo que se jogasse bem o milagre da multiplicação das moedas haveria de acontecer, e exceptuando algum "prego" ou bola fora do pano era-nos concedida a graça de levar mais dinheiro do que o que tínhamos trazido. "Vai para o primeiro andar, acende a luz e limpa a mesa". A protecção era a regra, a nenhum dos miúdos era perguntada a idade (cresce e aparece, pá!) se estivesse com o Lopes. "Levezinho, como se fosse uma pena. Com jeito caramba!". "Não sabes como fazer um efeito? Já perguntaste ao teu professor de física porque é que há efeitos?". (Levámos lá uma vez um professor, mas não era de Física, era de Carpintaria e o Lopes não ficou nada satisfeito). "Tu ainda não tens idade para saber, mas a bola tem de ser levada como as mulheres, com jeito e como se fosse uma pena...". Quando há pouco li que o Salão Monumental vai fechar para dar lugar a uma loja chinesa, lembrei-me dos sons, dos cheiros e do Lopes. E fui ali à prateleira olhar para um cubo de giz azul. Ao lado, deixei uma moeda de vinte e cinco tostões. Com jeito, como se fosse uma pena.

4 comentários:

botinhas disse...

Não me consigo lembrar do Sr. Lopes, mas lembro-me como se fosse ontem dos dias em que apanhava o 9 nos Prazeres, e em vez de usar a hora e meia de almoço que tinha para comer, ir jogar para o Salão Mundial. As amigas do Pedro Nunes estavam na Pizza Hut com o pedido feito e a 5 minutos do toque de entrada ia ao outro lado da rua comer a correr e ainda a tempo de apanhar o 9 de volta! Naturalmente que chegava às aulas de matemática sempre atrasado. :)

Pedro Aniceto disse...

Ah! Foi por alguns anos de diferença que não andámos à pedrada!!! Sim, eu estava no proletariado do outro lado do muro, na Machado de Castro.

botinhas disse...

Era preciso ter muuuuita força para fazer chegar uma pedra da Machado de Castro aos Salesianos nos Prazeres! ;)

Pedro Aniceto disse...

Ops! Vi Pedro Nunes e ericei-me logo todo... As minhas excursões aos Prazeres também dariam boas histórias. À Josefa, por exemplo. Ou às trocas/compras/vendas de cromos na Papelaria de cujo nome agora me não recordo, mas de que tu te lembrarás...