23 setembro 2006

No partir e no estragar...

No partir e no estragar, o mal está em começar. Isto era o que o Pereira, um homem de sete ofícios que conheci faz anos, tinha pendurado numa tabuleta de cartão mal amanhada, sobre a porta da sua velha oficina. Lembrei-me dele quando de chave de fendas em punho desmanchava pela enésima vez o tambor da máquina de secar. "Tenho ali um vidro da porta de um dos armários da cozinha que precisa de um toquezinho". Em português, "toquezinho" significa claro está que a porta corre sérios riscos de desabar e no processo levar os dedinhos de quem lhe mexa. Mais depressa fosse dito, mais tarde teria sido feito. Fui-me a ela como gato a bofe, quatro parafusos e uma bancada para avaliar da real extensão da desgraça. Era mesmo. O vidro, completamente solto do caixilho, a lembrar aos que ainda têm idade para isso que havia em tempos uma substância chamada massa de vidraceiro, coisa que aguentaria dezasseis milhões de anos o vidro no local desde que providencidados os chamados "pregos franceses", umas armas temíveis, pregos sem cabeça que devidamente espetados entre o vidro e a madeira ali ficariam até ao juízo final, Agora ninguém sabe o que é massa de vidraceiro, usa-se silicone, praga dos tempos modernos que não serve apenas para dar volume e forma a seios invejáveis (e invejosos), uma treta plástica que ainda está para nascer o tipo que me há-de provar da utilidade da coisa (sim, e já deixei de falar de seios...). Não sendo eu um expert de matérias de construção civil, odiando areias e cimentos, agarrei na porta, no vidro pendente e fui falar com quem me construiu os armários da cozinha. Afinal há vantagens em viver numa aldeia, os fornecedores não são seres inatingíveis, basta descer a rua e tocar-lhe à porta tendo o devido cuidado de lhe inspecionar os vidros nos caixilhos, nao vá algum desprender-se. É nestas situações que entendemos como é divertido ser-se português. Há qualquer coisa de ingénuo em ser-nos passado um atestado de estupidez e a gente, anestesiada, ri-se e acha graça. "Sr. Luís, tenho aqui uma porta de um armário dos que o senhor me vendeu, cujo vidro está solto...". Traga aí para eu ver. Óculos na ponta do nariz, o Luís examina e dita de imediato a sentença. "Tenho de levar isso à vidreira, esses tipos usam silicone, isso é uma aldrabice pegada, acaba sempre por haver meia dúzia que saltam fora. "Ok, muito bem, mas olhe que foi você mesmo quem me vendeu estes armários..." Ah, pois. mas já estão vendidos, não é?

4 comentários:

Anónimo disse...

Nem a propósito, decidi trocar um dos quadro vidrinhos da janela do local mais sossegado da casa por um acrilico furado para evitar a humidade.

seria de todo útil a massa de vidreiro que procurei por toda a cidade, recebendo de resposta:
"está tolo!? silicone é bem mais rápido"

fui obrigado a render-me! até pude escolher a cor que melhor combinaria com a madeira da janela.

Pedro Aniceto disse...

Na massa de vidraceiro não havia escolhas de cor... E tinha um cheiro peculiar, do qual ainda me lembro bem.

Pedro Aniceto disse...

Eu ia dizer que a massa de vidraceiro no acrílico não iria funcionar, mas de fato aquela massa mais do que segurar, só evitava a vibração. O segredo estava nos preguinhos...

Anónimo disse...

E como demorava uns dias a secar dava para os "putos" malandros deixarem lá as suas impressões digitais marcadas para o resto da vida.