01 fevereiro 2008

Os donos das palavras

Hoje pediram-me um parecer. Escrito. Grátis, claro. Sim porque a mim me parece que ninguém me pagaria um parecer. Era um parecer deveras chato, que falava de estatísticas, tendências e objectivos a curto e médio prazo. Comi bolachas de água e sal enquanto o escrevia. Reparem que se eu comer enquanto escrevo é porque o texto é chato e maçador. Não como outros textos em que parece que temos erecções nos dedos e como eles ficam rijos e excitados vai tudo à frente, letra a letra e dou até pancadas laterais violentas com os polegares na barra de espaços. Isso sim, isso é que é escrever. Como se tivéssemos imensa pressa em tentar não esquecer as quinze palavras que já temos alinhadas naquele canal seminal da memória que estamos a descarregar no teclado. Não foi claramente o caso deste parecer. Era chato, deprimente e ainda por cima tinha conclusões que não agradariam a quem mo pediu. Sim, que é sempre bom parecer-nos aquilo que os outros preferem. Acabei-o a custo e bem depois do pacote de bolachas. "Você escreve muito bem" disse-me ele e eu sorri, enquanto fingia acreditar que naquele caso era verdade. Enquanto eu varria de cima de mesa um monte de migalhas, ele sacou da caneta e assinou a folha recentemente impressa para onde eu tinha mugido muitas linhas. Pensei que ele podia ter esperado que eu virasse costas, assim ao jeito de quem veste as calças antes de dizer "É tão bom, não foi?". Recordo-me que não foi a primeira vez. Circula aí pelas prateleiras das livrarias um prefácio assinado por outrém do qual ele mesmo não escreveu sequer uma palavra ou imaginou uma linha. Mas aí eu achei graça. Ou talvez não, não sei. Que sei eu?

14 comentários:

r. disse...

Hoje no jornal li algo semelhante... estranho. Deve ser mais um ataque de Deja Vu.

Pedro Aniceto disse...

Tenho a sorte de não ter lido jornais hoje.

Pedro Aniceto disse...

E depois és tu que escreves que não percebes o significado de "ter dormido com o batalhão"...

r. disse...

Estive à procura, mas num me lembro de nada, mas deixa lá...tenho desculpa. Hoje estou de cama mesmo, aliás de portátil :)

m.camilo disse...

"Na Cama com o Portátil"

Lindo título para um romance...

Jonas disse...

Mas isso é tão típico.....

Eu perdi a conta aos relatórios que fiz e que "subiram" assinados por outrem.

Chateia, mas há truques. Estragar-lhes os esquema com erros de ortografia graves é uma forma de fazer a coisa. Deixar a assinatura digital (eles sabem lá o que é isso) intacta e programá-la para aparecer mais tarde é outra.

Também podemos deixar uns pareceres mais obscuros que careçam de justificação e gozar o prato quando o assinante tem de nos chamar para justificarmos a obscuridade. Este método é o meu favorito, e já usei todos :)

r. disse...

Tem muito pouco de romançe...Mas tem realmente uma vantagem, pelo menos assim, tenho a certeza que adormeço antes do portátil.
O:)
Quanto às assinaturas,uma vez passa, mas a veracidade da autoria acaba por se tornar óbvia.
Sim... também gostava da ausência de justificações,sobretudo na eminência das minhas férias:)
Mas já são águas passadas.

r. disse...

ops...o "c"cedilhado é malandrote

Pedro Aniceto disse...

Tem muito pouco de romançe...

Pelo menos é escaldante!

Pedro Aniceto disse...

Estragar-lhes os esquema com erros de ortografia graves

Eles não sabem ler! ;)

r. disse...

Escaldante não é... o computador acaba por hibernar...
;)

Pedro Aniceto disse...

É sempre assim! Fazem uma gracinha e deitam-se a dormir...

r. disse...

:) Devious minds ...

m.camilo disse...

Não querendo voltar a um "ataque" de marketing, garanto-lhe r. que são muito mais atraentes, mais "cavalheiros", não hibernam assim com tanta facilidade, não nos deixam ficar mal com falta de memória (aniversários, eventos,etc..), são muito mais limpinhos e raramente se dão por satisfeitos.
Estou a falar da Apple, claro.

Ah: e só adormece antes se assim lhe ordenar. ;)