"Sabes quantos anos eu tenho?" perguntou-me A, que frequentemente me coloca a questão. Decido brincar com ele, o meu coração tão apertado, que o miúdo perdeu o pai há poucos dias e a tenra idade não lhe deixou ainda entender toda a dimensão da tragédia. Ali, sentados no muro, A.e B., apenas amparados pelo braço da avó, vêem o mundo passar sossegado e calmo. Pus-lhe o dedo no nariz, assim ao jeito de "Estás a ver, roubei-to!", truque em que há anos não cai já. De dedo esticado a pressionar-lhe a ponta do nariz, os meus olhos semi-cerrados fingi adivinhar: "Tens seis anos". Arregalou os olhos, espantado com o meu acerto. "Como é que sabes?". "Sei porque tu me dizes que tens seis anos quase todas as semanas. Olha lá, estás bom?". "Estou" respondeu ele enquanto a avó continuava o amparo, uma braçada larga capaz de defender os netos de todos os perigos deste mundo, a névoa nos olhos que não levantou ainda as marcas da recente mágoa. Eu sabia que A. não se calaria, nunca o faz, há sempre mais uma pergunta, uma revelação. "O meu pai foi para o céu...". Olhei para ambos, neto e avó, encurralado pela frase fria e vi a avó fechar os olhos complacente, quem sabe a pedir clemência do que viesse a seguir. "Eu sei A., eu sei. Estamos todos muito tristes". "E sabes que os avós costumam ir primeiro para o céu, antes dos pais?". Não consegui responder de imediato, os meus olhos percorreram o vazio no fundo do muro da casa e acabaram por fixar-se no rosto adulto por detrás dos miúdos sentados no muro. Ela fechou os olhos, apertou-os mais no abraço, não me disse nada mas eu senti-lhe no rosto e na expressão sofrida que facilmente assentiria na troca de lugares. "Nós não escolhemos essas coisas, A., não escolhemos, acontece quando acontece" disse-lhe eu enquanto ele fugia dos braços da avó atrás de uma bola que estava esquecida no jardim.
31 julho 2008
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7 comentários:
Seriamos todos tão mais felizes a olhar o Mundo com olhos de criança...
Pedro,
Obrigado por este momento.
P.
Seríamos mais felizes e tornaríamos os outros bem mais felizes.
Obrigado.
Já me comoveste.
Algumas histórias poderiam ser só ficção e não passar disso. Entretanto, são esses pequenos que nos dão as maiores lições de vida, mesmo sem o saberem.
Obrigada por esta.
Lá estás tu! Para a próxima avisa antes!
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