a falar da vida alheia,
começam na lua nova
e acabam na lua cheia."
Crueldade, talvez, mas quantos de nós não testaram já o adágio? E nem sempre precisamos de o testar, é por vezes ele mesmo que se insinua, quando não esbarra ou se impõe, soberano. Há na roda que se forma ali ao luar e à brisa nocturna composta por conversadores de várias origens, muito poucos pontos comuns. S., V., L., e muitas outras personagens que ficam de fora para não entediar o leitor, e quando digo muitas não estou sequer a exagerar, daria para compor meio alfabeto e quem sabe mesmo se não teríamos de recorrer a letras estrangeiradas como W. ou Y., falam entre si de forma quase codificada, meias verdades ou meias mentiras, vá lá saber-se, quem sou eu para ajuizar, mas é isto mesmo que me chama a atenção, fosse a conversa plana e cristalina e talvez não me desviasse os sentidos de um debate técnico que estou a ter entre goles de café e água insípida sobre routers e configurações de acesso Internet.
O meio é pequeno, qualquer anormalidade toma o seu papel relevante em termos sociais, são tantos aqueles em que pego para vos trazer dele ecos que reproduzo aqui mesmo que mais um menos um não causará dano ou alarme. No início não entendo tanta frase meia dita, meia por dizer e mais um terço que o receptor há-de adivinhar, apenas, claro está, para aqueles que conhecem os códices e dominam a matéria alvo de má língua e a matemática do linguajar, o que feitas as contas não é decididamente o caso do narrador deste assunto. Vou juntando peças, agarro aqui e ali em pontas que fazem sentido. Percebo pelo pouco que domino que ali se discute um caso óbvio de prostituição. Alguém que por motivos menos felizes se expôs ao popular escrutínio e que passou a ser alvo da observação popular. Não sei de quem se trate, não é para mim motivo de admiração, mas vou aos poucos ouvindo os nomes da longa lista de clientes que lhe frequentam a alcova. Sucedem-se os nomes, as caras, as ocupações, vão alguns queixos incrédulos descaindo o maxilar inferior já que o superior como sabemos é inamovível e logo ali me recordo das agendas das Madames que de tempos a tempos vão sendo estampadas na imprensa mundial. Estamos perante um claro escândalo social. "E Z. já lá o vi à espera..." e ouvem-se ohs de espanto e admiração. "E já quase se lá cruzaram nas escadas o P. e o Q. que como sabem são rivais políticos e não se podem ver, eu nem queria acreditar, ao que isto chegou, minha nossa Senhora!".
E desfilam na lista oral os industriais, os construtores, até um sobrinho que durante anos esteve de relações cortadas ao nível de embaixador por demandas de partilhas mal resolvidas. Há risos nervosos, há cenários do que poderia suceder no caso de uma informação que venha a vasar (e a mim me parece que já faltou bastante mais). "Ai se S. vem a saber, ai Jesus que ela dá cabo dele...", mais me rio para dentro (e temos sempre uma notável tendência para nos rirmos das alheias desgraças) porque conheço o visado e estou a imaginá-lo cheio de hematomas e gessos diversos o que seria um problema para as suas ambições na vida política... Começo a entender tamanha precisão de detalhes, é um meio pequeno, a mulher trabalha em casa (mas há quem opine que o serviço pode ser requerido ao domicílio) e à noite, altura do dia em que todos os gatos deveriam adquirir uma tonalidade parda, parece que assim não sucede e é fácil para quem de janela estiver de sentinela, conhecer a agenda, o calendário e quem eventualmente vier a preencher-lhe as respectivas vagas.
E há ali um momento hilariante, de alguém de basta idade que em tempos lhe deu boleia para a vila que foi alvo dos seus avanços que terá reagido mal, não que não tivesse gostado, parece que à criatura lhe não faltam filhos reconhecidos e ainda mais por perfilhar, mas dizia eu de basta idade que lhe terá dito "Ah filha, não ma deste enquanto tive tesão, agora que a não tenho é que ma ofereces", para mim é um mistério como é que estas cenas não testemunhadas passam para o domínio público, mas é como em Espanha, que las hay las hay... E é quando me interpelam directamente, mofando "E você, já alguma vez lhe deu boleia?" que aproveito a deixa para ir ao âmago da coisa, ao cerne da questão, tentando desatar o nó górdio em que esta conversa se tornou: "Mas eu nem sei de quem é que vocês falam...". "Sabe, sabe, parece que quem lhe dá boleia é logo atacado, aquilo é uma leoa que pr'ali anda, sabe lá...". Confesso que não sei, e a conversa muda rumo abandonando meu verbal anzol, continuo sem conhecer o alvo de tamanha atenção, o mulherio gaba-lhe a arte, exageradamente talvez, pelo menos assim me parece. "Alguma arte há-de ter, aquela escada é um rodopio, só estou à espera que algum se engane e me bata à porta, nem sei bem o que faça, um pano encharcado nas trombas...". Sou eu mesmo que volto à questão: "Mas estamos a falar de alguém daqui?". A pergunta é estúpida, e foi recebida com olhares reprovativos. "É que não sei mesmo quem é...". E dizem-me, baixinho e reservadamente mas dizem-me. E percebo que temos estado a falar de um avozinha... "Que ela tem arte, lá isso tem que ter, ninguém sabe qual, mas tem de ter..."
O meio é pequeno, qualquer anormalidade toma o seu papel relevante em termos sociais, são tantos aqueles em que pego para vos trazer dele ecos que reproduzo aqui mesmo que mais um menos um não causará dano ou alarme. No início não entendo tanta frase meia dita, meia por dizer e mais um terço que o receptor há-de adivinhar, apenas, claro está, para aqueles que conhecem os códices e dominam a matéria alvo de má língua e a matemática do linguajar, o que feitas as contas não é decididamente o caso do narrador deste assunto. Vou juntando peças, agarro aqui e ali em pontas que fazem sentido. Percebo pelo pouco que domino que ali se discute um caso óbvio de prostituição. Alguém que por motivos menos felizes se expôs ao popular escrutínio e que passou a ser alvo da observação popular. Não sei de quem se trate, não é para mim motivo de admiração, mas vou aos poucos ouvindo os nomes da longa lista de clientes que lhe frequentam a alcova. Sucedem-se os nomes, as caras, as ocupações, vão alguns queixos incrédulos descaindo o maxilar inferior já que o superior como sabemos é inamovível e logo ali me recordo das agendas das Madames que de tempos a tempos vão sendo estampadas na imprensa mundial. Estamos perante um claro escândalo social. "E Z. já lá o vi à espera..." e ouvem-se ohs de espanto e admiração. "E já quase se lá cruzaram nas escadas o P. e o Q. que como sabem são rivais políticos e não se podem ver, eu nem queria acreditar, ao que isto chegou, minha nossa Senhora!".
E desfilam na lista oral os industriais, os construtores, até um sobrinho que durante anos esteve de relações cortadas ao nível de embaixador por demandas de partilhas mal resolvidas. Há risos nervosos, há cenários do que poderia suceder no caso de uma informação que venha a vasar (e a mim me parece que já faltou bastante mais). "Ai se S. vem a saber, ai Jesus que ela dá cabo dele...", mais me rio para dentro (e temos sempre uma notável tendência para nos rirmos das alheias desgraças) porque conheço o visado e estou a imaginá-lo cheio de hematomas e gessos diversos o que seria um problema para as suas ambições na vida política... Começo a entender tamanha precisão de detalhes, é um meio pequeno, a mulher trabalha em casa (mas há quem opine que o serviço pode ser requerido ao domicílio) e à noite, altura do dia em que todos os gatos deveriam adquirir uma tonalidade parda, parece que assim não sucede e é fácil para quem de janela estiver de sentinela, conhecer a agenda, o calendário e quem eventualmente vier a preencher-lhe as respectivas vagas.
E há ali um momento hilariante, de alguém de basta idade que em tempos lhe deu boleia para a vila que foi alvo dos seus avanços que terá reagido mal, não que não tivesse gostado, parece que à criatura lhe não faltam filhos reconhecidos e ainda mais por perfilhar, mas dizia eu de basta idade que lhe terá dito "Ah filha, não ma deste enquanto tive tesão, agora que a não tenho é que ma ofereces", para mim é um mistério como é que estas cenas não testemunhadas passam para o domínio público, mas é como em Espanha, que las hay las hay... E é quando me interpelam directamente, mofando "E você, já alguma vez lhe deu boleia?" que aproveito a deixa para ir ao âmago da coisa, ao cerne da questão, tentando desatar o nó górdio em que esta conversa se tornou: "Mas eu nem sei de quem é que vocês falam...". "Sabe, sabe, parece que quem lhe dá boleia é logo atacado, aquilo é uma leoa que pr'ali anda, sabe lá...". Confesso que não sei, e a conversa muda rumo abandonando meu verbal anzol, continuo sem conhecer o alvo de tamanha atenção, o mulherio gaba-lhe a arte, exageradamente talvez, pelo menos assim me parece. "Alguma arte há-de ter, aquela escada é um rodopio, só estou à espera que algum se engane e me bata à porta, nem sei bem o que faça, um pano encharcado nas trombas...". Sou eu mesmo que volto à questão: "Mas estamos a falar de alguém daqui?". A pergunta é estúpida, e foi recebida com olhares reprovativos. "É que não sei mesmo quem é...". E dizem-me, baixinho e reservadamente mas dizem-me. E percebo que temos estado a falar de um avozinha... "Que ela tem arte, lá isso tem que ter, ninguém sabe qual, mas tem de ter..."
3 comentários:
Então não sabias??? ....eh,eh,eh....
E para quem não sabe, vai deixar morrer na curiosidade? ;) Quem é???? :)
"pano encharcado nas trombas"... a minha avó dizia isto tantas vezes na brincadeira...
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