26 maio 2013

Alfaiates

Quando eu era menino, havia na aldeia onde vivia, um alfaiate. Já não me lembro do nome dele. Abílio? Hipólito? Vivia à beira de uma estrada que tinha uma curva perigosa. Era a "curva do Hipólito", assumindo que era este o nome dele. Não interessa. Fui lá muitas vezes e não me consigo recordar porque razão. Havia muitos acidentes graves em frente à casa do alfaiate, que tinha uma curva apertada, mas isto nem sequer tem nada a ver com o resto da história. São coisas que nos ficam agarradas à memória, como linhas que se nos agarram ao fato e que teimam em não cair quando a vida nos sacode todos os dias.

Lembro-me de várias coisas, da imponência da mesa em que trabalhava, lembro-me dele de colete lustroso, de óculos na ponta do nariz e tenho na memória mais profunda o cheiro a tecidos que havia naquela casa. Acho que nunca mais visitei um alfaiate depois deste hipotético Hipólito. Nunca lhes cheguei a mexer, mas em cima da imponente mesa à qual a ponta do meu nariz mal chegava, existiam dois objectos que nunca esqueci. Uma poderosíssima tesoura e um pedaço de giz, triangular. Nunca tinha visto giz triangular e aquela tesoura metia-me imenso respeito. Nunca lhe toquei mas tinha um ar bastante pesado e apesar de poucas vezes a ter visto ser utilizada na sua função, era sem dúvida A tesoura, a mais imponente tesoura que eu jamais vira, capaz de envergonhar a tesoura de costura da minha mãe, que era já bastante avantajada...

Hoje, quando me disseram "Está um alfaiate a fazer uns lenços para vocês usarem no World Failurist Congress na Exponor", todas essas memórias se avivaram. A tesoura, o giz e o cheiro intenso a tecido, tudo isso desfilou de novo. Não sei o nome do profissional. Abílio? Hipólito? Não sei o de nenhum deles (nem de um, nem de outro). Mas foi bom, por instantes, saber que alguém, está a gizar, a cortar, alinhavar e a coser algo que me traz estas memórias. E a manusear a tesoura que há-de vir a fazer os retalhos do que me lembro e deles se desprende um curioso cheiro a pano.



2 comentários:

Ricardo Antunes disse...

Qual era a casa? Para ver se te ajudo com o nome...

Pedro Aniceto disse...


39.735613, -8.285566‎
+39° 44' 8.21", -8° 17' 8.04"