30 outubro 2009
Os Consumidores e o "achadismo"
E de repente, como que por magia, há uma onda de consumidores que decide "passar a achar"... De há uns tempos a esta parte que tenho vindo a notar, numa das empresas onde opero, que está a crescer um sentimento um nadinha estranho dos consumidores face aos fornecedores. Um ambiente hostil, quase provocatório. Comecei por sentir esta onda curiosa nas reclamações, e uma das minhas primeiras conclusões é a de que os portugueses, na sua grande maioria, não sabe reclamar. O consumidor médio acha que uma reclamação será tanto mais eficaz quanto o volume de palavras escritas. Deve ser por isso que na elaboração de textos de reclamação as pessoas decidem escrever quase verdadeiras autobiografias cheias de pormenores NINAMJ. A sigla NINAMJ foi uma sigla que inventei há anos para classificar na minha vida privada alguns textos. Significa a mesma "Não interessa nem ao menino Jesus". Na análise de um texto reclamante interessam-me apenas factos. Dizer "Esta máquina está avariada e não funciona" tem bastante mais impacto que uma história de três páginas sobre uma máquina que-foi-para-casa-de-Metropolitano-e-que-só-foi-aberta-pelo-Carlinhos-três-dias-depois-do-Natal-em-que-por-acaso-até-lá-estava-a-minha-sogra-que-a-ajudou-a-pagar...". Não sei onde é que as pessoas vão buscar estes modelos mas são lindos e alguém podia na ASAE ou no Ministério da Economia fazer uma compilação dos ditos que era coisa para se tornar num best-seller. Já analisei um texto em que o consumidor diz (e cito) "Fui tratado abaixo de cão!". Não diz quando, não diz por quem, não diz onde. E quando inquirido sobre esses elementos aos costumes disse nada. No que ao meu caso diz respeito, não tenho nenhum problema em dar razão a um consumidor que efectivamente a tenha, e aceito até que do outro lado a pessoa pense que a minha missão na vida é prejudicar o próximo (isto aplica-se até a outras franjas da população e eu não perco o sono por causa disso...). Aquilo que não tolero é o "achadismo". As pessoas, nomeadamente os consumidores, passaram a "achar" coisas. É normal que um cliente aborde um fornecedor e branda a bandeira dos seus direitos, o que não é normal é que as empresas tenham de perder tempo com pessoas que nem sabem que direitos são esses e muito menos que desconheçam a porcaria da lei (sim, que é na sua base um emaranhado de belos equívocos). "Ah, porque eu tenho o direito de devolver o bem que comprei porque estou insatisfeito" é a última moda. Nos últimos três meses já analisei cerca de doze pedidos deste calibre. "Ah porque a lei me dá o direito de devolver no prazo de não sei quantos dias sem invocar a razão...". Não dá. Não dá para compras físicas e presenciais. Quando inquiro sobre se o bem foi violado, no que a software diz respeito a resposta é quase sempre "Como é que quer que eu experimente o bem se para isso tenho de abrir o software?". É nessa altura que gostava de ter o legislador ao meu lado para que fosse ele a responder. Manda a razão dizer que o legislador explicou no articulado da lei quais são os artigos que podem ou não gozar do direito de livre resolução. Na minha área lá está o software e o material informático. Na maior parte das situações explico pacientemente mas há sempre alguém que me diz "Eu acho que..." que me deixa a mim à beira do ataque de nervos. Em resumo e porque esta questão é recorrente, informo: O período legal mínimo para devolução de equipamentos adquiridos remotamente (online ou outros similares) sem necessidade de invocar o motivo é de 14 dias. Existem restrições a essa livre resolução, bem explicadinhas no articulado da lei e entre elas destaco os produtos " Fornecimento de gravações áudio e vídeo, de discos e de programas informáticos a que o consumidor tenha retirado o selo de garantia de inviolabilidade".
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15 comentários:
Uma tristeza é o que é. Lamentavelmente, nem d e v a g a r i n h o as pessoas lá chegam.
Ainda pior é numa altura em que o acesso ao Diário da República é livre e gratuito.
Mas é mais "fácil" mandar postas de pescada do que ler.
E aqui entre nós, ler isto é uma valente seca...
Meu caro:
Numa das Unidades de Saúde (por sinal muito bem equipada) do Agrupamento de Centros de Saúde em que sou um dos responsáveis houve um dia destes uma reclamação interessante: um cidadão queixou-se de que não havia um gancho no WC onde pousar o casaco para fazer as tranquilamente as suas necessidades...
Seria util deixar o link ou pelo menos a referencia para o DR em questao. Senao so posso dizer q "acho q e' assim" pq li neste blogue ;)
Jperez: É interessante sim senhor! Cria uma oportunidade de melhoria e eu não deixaria de o comunicar ao reclamante.
Algarve, pleno verão, CGD, 1 hora e 30 mins de fila depois gera-se quase um motim de desespero entre os clientes pela demora, insultos aos funcionários e outros clientes.
Digo em voz alta:
-Mas vocês que são clientes deste banco podem pedir o livro de reclamações e reclamar...
Silêncio geral, ordeiramente esperaram mais 30 mins pelo atendimento, 2 horas estive eu, se fosse cliente deixava de o ser naquele dia, e reclamava.
O mais ridículo é que o funcionário decerto faria má cara, quando reclamar é estar do lado dele.
Isso existe em todas as profissões, lá na loja é sempre a história do recibo do Euromilhões.
Teimam comigo até à exaustão que não recebem o prémio sem o recibo (Talão de caixa) coisa assim do tipo de ir a um mecânico e teimar que o motor não leva óleo.
Pessoas para quem os outros apenas existem para lhes confirmar que a imagem do mundo deles está correcta.
Não me espanta nada.
Ainda há tempos, num fórum sobre iPods, gerou-se uma tremenda discussão à pala desses X dias para devolver sem invocar motivo. Porque a maioria das pessoas não sabe que (tirando vendas à distância e time-sharing)isso só é possível se o próprio vendedor assim o quiser, ou seja, se decidir, como forma de chamar mais clientes, conceder essa benesse do "período de reflecção". Mas pronto, como as Fnacs e alguns supermercados permitem que se devolva sem perguntarem nada, as pessoa acham que é a lei que a isso obriga. Enfim...
Podem acusar-me de ser ignorante e querer simplificar as coisas ate a estupidificação geral, mas a minha opinião a este respeito é que o livre acesso ao Diário da República torna-se insuficiente porque o texto da Lei é feito de advogados para advogados.
Para as pessoas não perderem tempo umas às outras e aos tribunais, é preciso que isso mude. Não sou o primeiro a pensar nisto, porque no Reino Unido há uma iniciativa oficial que se chama "plain English" http://www.plainenglish.co.uk/
que serve este objectivo: a lei pode ser escrita em legalês, mas em paralelo escreve-se documentos para uso corrente, em inglês corrente. E quem precisar de consultar os casos mais específicos e complicados pode contratar um solicitador...
Caríssimas e caríssimos, a achologia é um ramo das ciência que está em franco desenvolvimento.
Pessoalmente (e depois de me informar convenientemente), a um acho que respondo sempre com eu tenho a certeza que.
Infelizmente, o cidadão português não sabe reclamar, e prefere a peixeirada. Como o Gato Preto muito bem referiu, quando se diz a alguém que pode pedir o livro de reclamações, esse alguém imediatamente esmorece e tudo fica como se nada tivesse acontecido.
A presença de um gancho (cabide) num cubículo sanitário, que o JPerez referiu, é de assaz importância. De preferência forte, não vá dar-se o caso de termos de pendurar um saco com um computador. E já alguém reparou que cubículos há em que, para quem entra fechar a porta, quase tem de subir no vaso sanitário?
Boa, nplima. Isso é uma boa ideia, tb acho que o acesso às leis em Portugal é extremamente dificultado. Pode ver aqui uma proposta que fiz: http://www.euparticipo.org/legislativas2009/inovacao/Um-Diario-da-Republica-legivel
Caro Pedro, a experiência de quem está dum lado não é igual à de quem está do outro. Você lida com queixas estúpidas e eu com vendedores estúpidos.
Em relação ao selos inviolados, alguém me diz como posso saber se comprei um filme ou um programa estragado sem abrir o plástico? É que já comprei uma caixa de DVD vazia, e quando fui reclamar só não me mandaram à mãe, porque até ladrão a coisa chegou, e juntou-se a multidão do costume. Passei-me, arrisquei, comprei outro filme igual, abri a caixa em frente ao empregado, e milagre! Estava também vazia. Um cliente, às vezes, também tem razão. E um cabide num WC não era má idéia. Papel higiénico também era fixe.
AB eu disse que a Lei era estúpida e mantenho o que disse. Ainda assim, uma avaria é coberta pela lei e os teus direitos estão assegurados pelo articulado. Não podes é chegar lá e dizer que estás insatisfeito (a velha questão do no questions asked) porque os videos estão fora deste tipo de devolução). Ah! E a devolução "no questions asked" só é válida para compras remotas.
Pedro, eu não sei exactamente que tipo de reclamações ouve e que o exasperam, mas digo-lhe que dada a maneira como a Apple funciona não me admira que ouça muitas. A Apple produz material mais fácil de usar que a generalidade da concorrência, mas não tão fácil como apregoa. E o comprador viu o anúncio onde diz que a "coisa" se faz em 3 simples passos, e depois de 12 simples passos ainda não tem a "coisa" feita, eventualmente "acha" que está insatisfeito e acha que tem razão. Independentemente da concorrência necessitar 76 passos para fazer o mesmo.
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