30 novembro 2005

Stainless

Tamborilo os dedos na mesa do café, enquanto respiro fundo a tentar reunir alguma paciência para com o meu interlocutor. É um dos tais specimens que me irrita profundamente, principalmente pela arrogância da ignorância que se não cansa se alardear. Não importa a discussão, a conversa, o monólogo, que é mais isto do que se trata porque há muito deixei de responder. Aquilo que me detém é que o personagem não é um qualquer zé-ninguém, mas sim uma figura de relevo na hierarquia militar. Diz disparates técnicos que não devia dizer, rematados por um "está a perceber?" que me deixa interiormente furioso e capaz de ser até mal educado na interpelação. Sou salvo por um dos presentes que sem o saber impede que eu faça ruir a muralha da inteligência artificial que lhe emana dos galões. Há uma dúvida técnica sobre armas brancas e a legalidade do comprimento de determinada lâmina. Sua excelência inverte o rumo da conversa e abençoa-nos a todos com uma prédica sobre o tema, no final da qual aproveito para, delicadamente, pensar em evadir-me da minha própria fúria. O recém chegado não se contenta com o discurso e pede autorização para mostrar o artefacto. Obtido o militar assentimento, do bolso traseiro emerge uma vistosa navalha de ponta e mola que suscita assobios a alguns dos presentes e que é de pronto cuidadosa e cientificamente observada por aquele a quem minutos antes me tinha apetecido esganar. Mira-lhe o cabo delicadamente trabalhado e a esguia lâmina. Mede-a em dedos. Detém-se na inscrição da gola do aço e diz com ar impante. "Hummm... Stêinlésse. Boa navalha! Tenho lá uma da mesma marca...". Levanto-me como se tivesse sido anavalhado. A assistência lá permanece a beber da sapiência do senhor Major...

6 comentários:

Anónimo disse...

De há uns anos para cá que a stainless detém o monopólio de objectos metálicos usados no corte!

O que não falta por ai são Majores...

Anónimo disse...

Fantástico!!!

Já "tava" com saudades destas crónicas. Tázz a ver. :)

João "Cabo Verde" Matos

Zé Clarmonte disse...

Bem-vindas sejam as pulgas!

Frederico Lucas disse...

Tenho um Major desse tipo nas imediações da minha residência.
Ele sabe tanto que o trato carinhosamente por ALMIRANTE!
Não li até hoje que tratar alguém por esta patente militar pudesse ser ofensivo.

samaritano sam disse...

... Tá mal!!! Tá mal!!! Mas que porra!... Assim, ficou-se sem saber, se era uma navalha, stêinleze em enóxe?!?!

Manu disse...

Regarder les autres « d’en haut », c’est une lame à double tranchant !