Há-de vir hoje nos jornais que num acesso de fúria, ou desespero, ou loucura, ou por outra razão qualquer um homem de setenta e tal anos assassinou um puto de vinte, algures na margem sul. O facto de estar mencionado no jornal que foi na margem sul tranquilizará o leitor ocasional como se a sul as coisas fossem diferentes, os crimes fossem mais graves e a honra se lavasse sempre a chumbo. Há-de vir nos jornais qualquer coisa assim, fria e isenta de emoção. O que o jornal não vai com toda a certeza dizer é que um pai, na impossibilidade de um dos seus se defender de uma vida de maus tratos e violência física continuada, avisou quem o ouviu que nunca mais deixaria que o genro lhe batesse, nele, na sua própria mulher ou na filha como parecia ser hábito. Cumpriu o aviso e selou o seu destino com dois tiros de caçadeira. B. a quem o jornal dará o nome completo na edição de hoje foi detido por uma enorme força policial (estava desarmado no momento da detenção), a mesma força policial a quem, faz hoje exactamente oito dias, pediu ajuda para evitar mais uma agressão e que levou duas horas a acorrer em seu auxílio. Agora, B. tem muito tempo e pode esperar. Amanhã, um qualquer juiz tomará nas suas mãos a segunda vida do homem cujo nome será estampado a negro nos jornais. Faz muito tempo que desaprendi de rezar, mas rezarei por uma decisão sábia.
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2 comentários:
Há muitos Bs por aí, Pedro. Muitos mesmo. Mas a comunicação social, na ânsia de vender, "esquece" a isenção e o realismo. É assim este mundo... Não é só cá.
O que me dói é que as ciências sociais, a despeito de todas as demais ciências do mundo progredirem a passos largos, não conseguiram ainda entender os Bs, nem separá-los com distância aceitável de outras mortes, esquecendo as agravantes, tal qual o jornal haverá de esquecer. E nem nós somos tão juristas, nem tão humanos...
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