30 abril 2008

Entrevista de Wozniak na Folha

Co-fundador da Apple fala à Folha sobre o presente e o futuro

EMERSON KIMURA COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A tecnologia facilitou muito a nossa vida, mas às vezes ela é colocada como mais importante do que o homem. Não deveria ser assim, diz Steve Wozniak (www.woz.org ), que fundou a Apple com Steve Jobs. Em entrevista por telefone à Folha, Woz, como gosta de ser chamado, contou como vê a tecnologia hoje e amanhã. Ele é o visionário que, em 1976, criou o computador Apple I e, no ano seguinte, o Apple II -cujo sucesso permitiu a sobrevivência da empresa, apesar de insucessos comerciais, e deu fôlego financeiro para o desenvolvimento do Macintosh, em 1984. Hoje, Wozniak ocupa-se com palestras, novas empresas de tecnologia, companhias verdes e projectos com a Nasa.

FOLHA - O que o sr. faz atualmente?

WOZNIAK - Nos últimos dois anos, montei uma companhia [Acquicor Technology] – mas não é a minha área, então estou a me demitir –, escrevi um livro, fiz um tour [de promoção] do livro e discursei ao redor do mundo para diversos grupos.

FOLHA - O sr. ainda é empregado da Apple?

WOZNIAK - Sim, mas não trabalho na Apple. Trabalho com algumas empresas de tecnologia, mais start-ups, e com algumas companhias "verdes" de tecnologia, principalmente na área de materiais de construção.

FOLHA - Qual seu papel na Apple hoje?

WOZNIAK - Bem, eu sou definido como um "fellow", companheiro. [O programa Apple Fellows reconhece a contribuição de alguns indivíduos para a empresa; além de Woz, fazem parte do seleto grupo Bill Atkinson, Steve Capps, Rod Holt, Alan Kay, Guy Kawasaki, Don Norman e Rich Page.] É bem uma função aberta; tendo uma idéia eu provavelmente posso conseguir apoio para desenvolvê-la, mas não faço muito além de simplesmente dizer a Steve Jobs meus comentários e procedimentos de vez em quando.

FOLHA - Como o sr. olha para esse movimento verde?

WOZNIAK - É o grande foco de atenção para a próxima década ou duas, particularmente em meios para criar energia e para pessoas usarem energia. Os primeiros incluem estações de energia verde que geram força a partir de materiais recicláveis e renováveis, como geotérmicos e luz solar. Na segunda categoria entram coisas como carros eficientes, novas tecnologias para baterias, construção cuidadosa de casas.

FOLHA - E provavelmente o sr. vê um papel importante da tecnologia em tudo isso.

WOZNIAK - Totalmente. Tecnologia é como... Qualquer coisa que possibilite fazer coisas em menos passos. Ela basicamente poupa trabalho, poupa esforço. Ou poupa dinheiro para que ele possa ser aplicado de outra maneira.
Acho que alguns dos grandes avanços tecnológicos na verdade começam mais cedo na ciência – por exemplo, materiais novos, particularmente os feitos com nanotecnologia, oferecem certas qualidades que depois nos permitirão criar novas tecnologias, como baterias mais resistentes.

FOLHA - Quais os principais benefícios que a tecnologia nos trouxe nas últimas décadas?

WOZNIAK - A tecnologia aumentou as nossas habilidades próprias de resolver as coisas sozinhos, tanto no trabalho quanto para o entretenimento – como fotografias e música em computadores. Também nos permitiu comunicar bem, transmitindo tudo – de palavras a imagens, passando por músicas e apresentações.

FOLHA - Quais foram os principais obstáculos?

WOZNIAK - Bem, vejamos. Alguns dos obstáculos eram o fato de que nós sonhávamos e projetávamos coisas 20 anos antes de ter recursos para construí-las. Então, por exemplo, nós sabíamos que um dia a memória nos permitiria ter uma música em um computador. Mas foi um longo tempo até que nós realmente pudéssemos bancá-la para colocar a música nela.

E o custo dos computadores ainda... O computador pessoal, mesmo sendo a principal tecnologia com a qual estamos familiarizados, muitas partes do mundo não têm nenhum. Elas não têm um uso para isso. O tipo de coisa em que o computador nos ajuda não se aplica tão bem a economias muito pobres.

FOLHA - E o uso da tecnologia na educação?

WOZNIAK - A educação não tem sido aperfeiçoada como deveria porque nós ainda não temos software que se assemelhe a um ser humano. Um professor de verdade, um professor humano pode aprender características de um estudante, suas expressões faciais, a altura da voz. Muitas coisinhas que nós aprendemos somente com o crescimento. Nós sabemos como dar um significado especial, como ajudar os estudantes falando com eles mais claramente, mas o computador não pode fazer isso.

O computador simplesmente não pode... Ele não sabe se você teve um dia ruim, um computador não é amigável o suficiente para perguntar-lhe sobre seus irmãos, "como eles estão?". Então o computador é basicamente um livro escolar – claro, um livro melhor, por causa da interatividade. É como uma simples ferramenta para apresentar o seu material no papel e colaborar até certo ponto.


Wozniak em 1978, operando um Apple II; foto: Margaret Wozniak

FOLHA - Como a interação entre humanos e máquinas evoluiu nas últimas décadas?

WOZNIAK - Tivemos grandes avanços nos anos 80, quando os primeiros computadores com interface gráfica para o usuário, principalmente da Apple Computers – então Lisa e Macintosh –, surgiram. Eles eram projetados para que a tecnologia funcionasse de maneira que fosse mais familiar para o homem, mais intuitiva, mais natural.

Mas hoje, quando você usa um computador, quase sempre precisa aprender a mexer em um software. Você tem essa peça tecnológica, e como utilizá-la? Eu tenho que me empenhar para descobrir como funciona. Nesse caso, a tecnologia tem sido colocada como mais importante do que o homem.

Nós deveríamos voltar para o início e esforçar-nos em entender o homem sem tecnologia, colocar a pessoa como [a mais] importante e tentar adaptar a tecnologia para o estilo humano.

Mesmo recentemente, tanto a Microsoft quanto a Apple têm tomado medidas para ir além disso, o que é excelente, mas há limitações. Há coisas que são feitas de modo muito inadequado. No entanto, as interfaces baseadas em toque são um meio de nos aproximarmos mais das ações humanas.

FOLHA - Ainda assim, o sr. se sente confiante sobre a evolução da interface entre homens e máquinas?

WOZNIAK - Sinto-me extremamente confiante sobre isso. Algo importante são telas de baixo custo que não sejam apenas dispositivos de saída, mas também de entrada. E conseqüentemente nós iremos mais além: teremos em todo computador uma câmera que possa aprender gestos e outros sinais humanos e até fala humana sem precisar passar por uma etapa de memorização para funcionar.

FOLHA - Qual a importância da Apple?

WOZNIAK - A Apple quer trazer o poder que a tecnologia proporciona para o usuário individual e permitir que ele faça mais coisas. Nós fazíamos isso quando começamos a empresa, nossa idéia era fazer produtos úteis. Às vezes, você pode fazer um produto que vende bem, mas que é uma droga, e nós não fazemos isso. Nós fazemos apenas produtos bons.

FOLHA - Por que tantas “drogas” tornam-se best-sellers?

WOZNIAK - Eu, como consumidor, comprarei o produto mais barato. Geralmente é assim, e eu não percebo que terei algum desgosto com ele – isso vem depois do pagamento.

A Apple tenta não apenas fazer produtos que satisfaçam, mas que... Você quase baba, tem um desejo, assim que os vê, de possuí-los.

FOLHA - Por que a Apple passou por tantos problemas?

WOZNIAK - Naqueles tempos, nós éramos uma companhia com um produto, basicamente: uma linha de computadores. Quando nós temos um produto, não somos diversificados. E todas as forças do mercado – a tecnologia sobe e desce, competições sobem e descem –, todas essas forças afetaram a companhia drasticamente. Há capitalizações de empresas que sobem e descem por um ou dois fatos em dois meses só por causa de uma nova mudança no mundo.

Nós estamos um pouco melhores agora porque, grosso modo, temos três companhias: o computador, o iPod e o iPhone. Então, se um produto vai mal, os outros ajudam a segurar.

FOLHA - O que não vem acontecendo. Mas a Apple começou a crescer novamente somente com o computador, quando Steve Jobs voltou nos anos 90 e lançou o iMac...

WOZNIAK - O iMac já tinha sido desenvolvido lá dentro, antes que ele [Jobs] estivesse lá... Ele proporcionou para a leal base de consumidores uma exaltação com o seu retorno. Além disso, é um apresentador expert em marketing. Tomou medidas muito importantes para encobrir qualquer vazamento na companhia sobre produtos novos. Então, quando eles são apresentados, são muito mais emocionantes.

Nota: Propositadamente não alterei o texto nas questões ortográficas nem na estranha redacção de algumas das frases. Esta entrevista foi publicada sem pedido de reprodução e será retirada se tal me for pedido pelo meio ou pelo autor.

6 comentários:

vricardo disse...

Obrigado por, mais uma vez, partilhares estas pérolas Pedro. E nota final, claro!

;-)

Ab,

Dirk Diggler (v)

Anónimo disse...

De dentro.
Excelente trabalho. E não apenas porque corresponde ao que eu penso.
É plausível, inteligente, desmistificador.
Obrigado, Pedro.

EE disse...

oi,

caso lhe interesse, a entrevista na íntegra pode ser conferida em http://circuitointegrado.folha.blog.uol.com.br/arch2008-04-20_2008-04-26.html#2008_04-23_09_14_16-126078117-0

acho que questões ortográficas e de estilo devem-se às diferenças entre portugal e brasil.

Pedro Aniceto disse...

Obrigado emmer!

Alvaro disse...

Diferenças entre Portugal e o Brasil? E eu que pensava que o Acordo Ortográfico que ainda agora entrou em vigor ia resolver isso. Quem ainda tem dúvidas, leia a entrevista outra vez e repare se essas diferenças se devem mesmo à ortografia...

(Desculpa Pedro, mas depois de ler não resisti a comentar o português. Quanto à entrevista, mostra as preocupações de um visionário e o seu comprometimento com o projecto Apple.)

Unknown disse...

O estranhamento provavelmente deve-se, sim, às diferenças entre Portugal e Brasil.

Sinto muito, caro Alvaro, mas o Acordo Ortográfico ainda não entrou em vigor. E, com o seu comentário, você só demonstrou ser um completo ignorante a respeito das diferenças entre os dois países.