E ali estava eu, mão chapada no curvo vidro do balcão do talho quando me voltei a lembrar de ti, de outro ti que não tu. Por culpa de umas mãos de vaca (ou seriam pés?), lá estás tu a gozar-me, a desmanchares-me (salvo seja) e dizeres-me "Deus me livre se alguma vez cozinho essa porcaria". E eu a rir-me de mim e das minhas próprias perversões retorcidas sem te poder responder à letra brejeira, tão fria como este vidro curvo em que chapo as mãos. E elas, as mãos, ali a rirem-se de nós, duas unhas separadas, a pele branca, são como que luvas de pelica numa montra da Baixa. (Desculpei-te só te teres rido três dias depois do alguma vez cozinho), fique Deus fora disto que não nos parece próprio. Viste como a pele é branca e sem rugas? Viste como as unhas estavam limpas e lisas? E nunca me perdoaste ter-te dito que não conseguias nunca que as tuas ficassem assim. E tu sem perdão, a retorcer as contas do colar de pérolas falsíssimas, tão falsas como a minha frase do "Não faz mal, Helena, um dia destes eu peço à minha mãe que faça uma tachada disto". Alguns dias depois (não que tivesse uma coisa a ver com a outra), tu foste-te embora. Que ias às compras, até logo. Eu devia ter desconfiado quando disseste que faltava grão em casa. Se calhar percebi mal (se calhar). Mas não faz mal, um dia destes eu peço à minha mãe que me faça uma tachada. E vou tirar a barriga de misérias. Quem sabe um jogo do Benfica na TV, sopinhas de pão no molho. (Quem sabe?).
08 julho 2006
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2 comentários:
Post intimista tornado público , pelo que ouso recomendar a leitura de "Perdoar Helena" de José Tolentino de Mendonça.
No final , se conseguir responder à questão inicial"ainda existem grous nos céus da Grécia?", é porque está curado.
Nem tudo o que luz é ouro... Os exercícios de ficção são por norma vertidos aqui em forma de texto quando o seu "sumo" promete desenvolvimentos em futuros escritos. Ainda assim tentarei seguir a recomendação literária.
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