Dez por cento dos rascunhos gerados por este teclado, textos que anseiam um dia crescer e tornar-se em posts são apagados sem retorno ou jazem para sempre no limbo dos meus Drafts do Blogger. Porque me arrependo e se for verdade que só se salva quem se arrepende, eu cá estou safo por mim e por mais três; porque chego a um ponto em que me embaracei tanto na narrativa que não há volta a dar, ou porque perco a vontade de o concluir por qualquer outra razão. A minha pasta de rascunhos é uma espécie de vala comum da inspiração, um Purgatório onde as almas dos textos que nunca foram e dificilmente serão, vagueiam em apagadas tristezas. Uma das principais razões que levam um número razoável de prosas ao supremo sacrifício leminguístico da rocha Tarpeia é a incapacidade de transmitir fielmente ao leitor algumas emoções e/ou sentimentos. Há parágrafos que são como bifes nervosos, mesmo cortados em pequenos pedaços, sendo moídos e mastigados por diversas vezes. vão perdendo a forma original sem nunca melhorarem, quanto mais embrulhados mais enjoam, a escrita e a leitura torna-se penosa até ao golpe de misericórdia, o dedo médio que se abate sobre o Delete, o criador que esmigalha a obra, brincar aos Deuses com as teclas tem sempre incluída esta massagem ao ego.
Este intróito serviu para duas coisas: a) Comprometer-me com a própria escrita, fazendo-me hesitar no esquecimento a que poderei votar as linhas que se seguem b) Aumentar as expectativas do leitor até um ponto em que não consigo alcançá-las, vulgo "estás a arranjar lenha para te queimar, sarna para te coçar, curto pano para manga tão comprida, fraco pavio para demasiada dinamite". Parece-me derrotada a estratégia e ainda nem montei o cavalo nem alinhei os exércitos.
Voltemos à vaca tépida: Como é que se passa a palavras o efeito que uma mulher bonita, anónima, que nunca vimos, mesmo que em sonhos, mesmo que nesses sonhos, provoca num homem? É difícil, bastante difícil. Os mais simplistas diriam "está ali uma gaja boa", era um facto, estava mesmo, com papas e bolos se enganam os tolos, o dito não é meu, é de um trolha que hoje ouvi conversar com o empreiteiro. Talvez o tenha pedido emprestado a alguém, afinal era um trolha e não se pode construir um post com tão fraca matéria, mais a mais ninguém me daria crédito, mesmo que a gaja fosse efectivamente muito boa e tivesse provocado no trolha uma sensação que estou agora em palpos de aranha para descrever num post, coisa que o empreiteiro faria com outra arte, quem sabe um "está ali uma gaja mesmo boa", o que parecendo que não é uma outra forma de expressar o mesmíssimo sentimento, mas com um pedacinho mais de entusiasmo narrativo.
Penso que já perceberam onde quero chegar: Há instintos básicos que todos temos, aumentos de temperatura que todos sentimos mas que se tornam por vezes um inferno de descrever, mais a mais se nos atrevermos a dar à obra um certo estilo que vá além da forma básica da ideia. A verdade é que estou há imenso tempo a pensar na melhor maneira de vos dizer que hoje encontrei uma mulher lindíssima e não consigo deixar de pensar que era uma gaja mesmo muito boa...
Avancemos: Quando entrei na gelada agência da sede do meu banco, por detrás do balcão deslizava uma Deusa, parece que estou a ver o trolha a salivar, eu mesmo pareço estar a salivar mas mentalmente, estou apenas e por delicadeza com o leitor a ser um nadinha mais discreto, o trolha nem estava lá, se bem se recordam estava a falar com o empreiteiro a grande distância dali, apenas o pedi emprestado, a ele e ao dito, para exemplificar um pensamento. Uma Deusa, repito, a deslizar por detrás de um balcão de uma agência bancária, dir-se-ia que deslizava, não lhe vi os pés e duvido que os bancos admitam funcionários que se desloquem descalços por detrás dos balcões, ainda que sejam Deuses, mesmo que sejam a própria sede da instituição, demos-lhe algum crédito, ao próprio banco ou ao narrador.
Lá fora chovia, lá está mais uma expressão roubada, mas não era de noite nem eu estou sentando à máquina de escrever, lembro-me de ter sacudido alguma água do casaco quando a vi, se bem que uma coisa não esteja com esta última relacionada. Um vestido cingido a realçar as curvas do corpo que se deixavam ver, um despido fingido a realçar as curvas que nem se viam, há momentos em que todos, mesmo todos, temos um trolha dentro de nós.
Disse ao que ia. Ela sorriu nem sei porquê, talvez cortesia profissional, era um pedido difícil e implicava a abertura de um cofre, cá para mim e para os meus botões pensei bem que podia o cofre demorar-se o dia inteiro a abrir, por quem sois. Pois abriu-se-lhe mais depressa o decote que o cofre, cá está, uma frase que precisa mesmo de ser requalificada apesar de ser verdade, ninguém pode escrever assim a cru desta maneira, poder pode, dever não devo, se os olhos também comem, dizem, é feio interromper aos mortais a refeição, deixa-me tirar-lhe os olhos do peito semi descoberto, não tarda estou a salivar e não é só mentalmente. Faço conversa de ocasião, estou ali eu encostado ao mármore gelado do balcão, um festim visual à minha frente e estou propositadamente a esquecer-me do senhor Neves que devia ser um gerente, mas que para aqui não é chamado a não ser quando ela lhe pediu que fosse abrir o preguiçoso do cofre e fê-lo, juro, com voz de Jessica Rabbit com o cio. Coisa capaz de derreter as e o Neves.
Fazemos conversa mole, ocorre-me um trocadilho básico mas resisto-lhe, mesmo quando ele, o trocadilho, me sorri, o descarado, tão provocador quanto ele, o decote, o deslizar, as formas e tudo o mais que não retive. Digo-lhe com sinceridade que aquele banco, a sede não esqueçamos, não parece um banco, três pessoas apenas e tanto mármore. Voltou à cena a voz de Jessica, com menos cio, queixando-se do frio, oh céus, agora sou eu que sorrio, pergunto-lhe pelos clientes, a Deusa faz um beicinho em jeito de espera que logo bebes, basta abrirem-se as comportas clientelares e será um ver se te avias, um fartar vilanagem. Estamos nisto e no abre-te cofre quando as portas se abriram num jorro de clientela, ela a dizer-me em tom mavioso "está a ver? está a ver?" e eu a pensar que não faço outra coisa há mais de vinte minutos, não lho disse, escrevo-o agora que ainda vai perfeitamente a tempo. Da particularidade da clientela não guardei grande pormenor, nunca guardo, não tenho grande habilidade para jogos de memória. Há um senhor africano com ar de administrador, fato de belo corte perlado de gotas de água que lá fora continua a tombar que Deus a dá, fosse a água deste banco e teria um custo certamente. quanto mais não fosse uma comissão pela mudança de gasoso para liquído. Há dois yuppies que entraram a conversar mas estão agora calados, pudera, os homens alinham-se ordenadamente e vão perdendo as capacidades vocais assim que começam a perceber o que vêem, talvez mais ainda quando realizam o que não conseguem ver. Há mais três homens, não são relevantes, se exceptuarmos o ar de basbaques que todos temos ali, fila de pirilau, de seis dos ditos legítimos se a natureza das coisas simples não tiver sido abastardada.
É nesta fase que o senhor Neves já voltou das catacumbas, presumo que tenha fechado o cofre não vá dar-lhe alguma corrente de ar e se apercebe que tem uma resma de clientes à espera, não me parece embora, 'tás doido?, que nenhum deles queira reclamar a avaliar pelo ar satisfeito que ostentam. Quando Neves se senta na caixa ao lado da Deusa e diz "Podem passar pela ordem da fila..." é vê-los esticar o pescoço e observar os varandins, disfarçar baixinho o assobio que não se ouve. Eu por mim estou despachado, aqui me avio, benza-os Deus, guardo os meus pertences e um último sorriso dela. Importante que não me esqueça das notas que fui buscar, coisa que me envergonharia mas que nesta altura sabemos ser já muito compreensível.
Quando saio, a força da chuva que tomba obriga-me a permanecer debaixo de uma reentrância da fachada. O senhor africano com ar e fato de administrador, atravessou a porta rotativa, piscou-me o olho e sussurrou-me "Mas é que está ali uma gaja muito boa, pá!". Eu, sacudi algumas gotas de água do fato de macaco, e fui-me embora sem apagar o post que nesta altura ainda não estava escrito mas já tinha sido condenado a nunca ver a luz do dia.
Este intróito serviu para duas coisas: a) Comprometer-me com a própria escrita, fazendo-me hesitar no esquecimento a que poderei votar as linhas que se seguem b) Aumentar as expectativas do leitor até um ponto em que não consigo alcançá-las, vulgo "estás a arranjar lenha para te queimar, sarna para te coçar, curto pano para manga tão comprida, fraco pavio para demasiada dinamite". Parece-me derrotada a estratégia e ainda nem montei o cavalo nem alinhei os exércitos.
Voltemos à vaca tépida: Como é que se passa a palavras o efeito que uma mulher bonita, anónima, que nunca vimos, mesmo que em sonhos, mesmo que nesses sonhos, provoca num homem? É difícil, bastante difícil. Os mais simplistas diriam "está ali uma gaja boa", era um facto, estava mesmo, com papas e bolos se enganam os tolos, o dito não é meu, é de um trolha que hoje ouvi conversar com o empreiteiro. Talvez o tenha pedido emprestado a alguém, afinal era um trolha e não se pode construir um post com tão fraca matéria, mais a mais ninguém me daria crédito, mesmo que a gaja fosse efectivamente muito boa e tivesse provocado no trolha uma sensação que estou agora em palpos de aranha para descrever num post, coisa que o empreiteiro faria com outra arte, quem sabe um "está ali uma gaja mesmo boa", o que parecendo que não é uma outra forma de expressar o mesmíssimo sentimento, mas com um pedacinho mais de entusiasmo narrativo.
Penso que já perceberam onde quero chegar: Há instintos básicos que todos temos, aumentos de temperatura que todos sentimos mas que se tornam por vezes um inferno de descrever, mais a mais se nos atrevermos a dar à obra um certo estilo que vá além da forma básica da ideia. A verdade é que estou há imenso tempo a pensar na melhor maneira de vos dizer que hoje encontrei uma mulher lindíssima e não consigo deixar de pensar que era uma gaja mesmo muito boa...
Avancemos: Quando entrei na gelada agência da sede do meu banco, por detrás do balcão deslizava uma Deusa, parece que estou a ver o trolha a salivar, eu mesmo pareço estar a salivar mas mentalmente, estou apenas e por delicadeza com o leitor a ser um nadinha mais discreto, o trolha nem estava lá, se bem se recordam estava a falar com o empreiteiro a grande distância dali, apenas o pedi emprestado, a ele e ao dito, para exemplificar um pensamento. Uma Deusa, repito, a deslizar por detrás de um balcão de uma agência bancária, dir-se-ia que deslizava, não lhe vi os pés e duvido que os bancos admitam funcionários que se desloquem descalços por detrás dos balcões, ainda que sejam Deuses, mesmo que sejam a própria sede da instituição, demos-lhe algum crédito, ao próprio banco ou ao narrador.
Lá fora chovia, lá está mais uma expressão roubada, mas não era de noite nem eu estou sentando à máquina de escrever, lembro-me de ter sacudido alguma água do casaco quando a vi, se bem que uma coisa não esteja com esta última relacionada. Um vestido cingido a realçar as curvas do corpo que se deixavam ver, um despido fingido a realçar as curvas que nem se viam, há momentos em que todos, mesmo todos, temos um trolha dentro de nós.
Disse ao que ia. Ela sorriu nem sei porquê, talvez cortesia profissional, era um pedido difícil e implicava a abertura de um cofre, cá para mim e para os meus botões pensei bem que podia o cofre demorar-se o dia inteiro a abrir, por quem sois. Pois abriu-se-lhe mais depressa o decote que o cofre, cá está, uma frase que precisa mesmo de ser requalificada apesar de ser verdade, ninguém pode escrever assim a cru desta maneira, poder pode, dever não devo, se os olhos também comem, dizem, é feio interromper aos mortais a refeição, deixa-me tirar-lhe os olhos do peito semi descoberto, não tarda estou a salivar e não é só mentalmente. Faço conversa de ocasião, estou ali eu encostado ao mármore gelado do balcão, um festim visual à minha frente e estou propositadamente a esquecer-me do senhor Neves que devia ser um gerente, mas que para aqui não é chamado a não ser quando ela lhe pediu que fosse abrir o preguiçoso do cofre e fê-lo, juro, com voz de Jessica Rabbit com o cio. Coisa capaz de derreter as e o Neves.
Fazemos conversa mole, ocorre-me um trocadilho básico mas resisto-lhe, mesmo quando ele, o trocadilho, me sorri, o descarado, tão provocador quanto ele, o decote, o deslizar, as formas e tudo o mais que não retive. Digo-lhe com sinceridade que aquele banco, a sede não esqueçamos, não parece um banco, três pessoas apenas e tanto mármore. Voltou à cena a voz de Jessica, com menos cio, queixando-se do frio, oh céus, agora sou eu que sorrio, pergunto-lhe pelos clientes, a Deusa faz um beicinho em jeito de espera que logo bebes, basta abrirem-se as comportas clientelares e será um ver se te avias, um fartar vilanagem. Estamos nisto e no abre-te cofre quando as portas se abriram num jorro de clientela, ela a dizer-me em tom mavioso "está a ver? está a ver?" e eu a pensar que não faço outra coisa há mais de vinte minutos, não lho disse, escrevo-o agora que ainda vai perfeitamente a tempo. Da particularidade da clientela não guardei grande pormenor, nunca guardo, não tenho grande habilidade para jogos de memória. Há um senhor africano com ar de administrador, fato de belo corte perlado de gotas de água que lá fora continua a tombar que Deus a dá, fosse a água deste banco e teria um custo certamente. quanto mais não fosse uma comissão pela mudança de gasoso para liquído. Há dois yuppies que entraram a conversar mas estão agora calados, pudera, os homens alinham-se ordenadamente e vão perdendo as capacidades vocais assim que começam a perceber o que vêem, talvez mais ainda quando realizam o que não conseguem ver. Há mais três homens, não são relevantes, se exceptuarmos o ar de basbaques que todos temos ali, fila de pirilau, de seis dos ditos legítimos se a natureza das coisas simples não tiver sido abastardada.
É nesta fase que o senhor Neves já voltou das catacumbas, presumo que tenha fechado o cofre não vá dar-lhe alguma corrente de ar e se apercebe que tem uma resma de clientes à espera, não me parece embora, 'tás doido?, que nenhum deles queira reclamar a avaliar pelo ar satisfeito que ostentam. Quando Neves se senta na caixa ao lado da Deusa e diz "Podem passar pela ordem da fila..." é vê-los esticar o pescoço e observar os varandins, disfarçar baixinho o assobio que não se ouve. Eu por mim estou despachado, aqui me avio, benza-os Deus, guardo os meus pertences e um último sorriso dela. Importante que não me esqueça das notas que fui buscar, coisa que me envergonharia mas que nesta altura sabemos ser já muito compreensível.
Quando saio, a força da chuva que tomba obriga-me a permanecer debaixo de uma reentrância da fachada. O senhor africano com ar e fato de administrador, atravessou a porta rotativa, piscou-me o olho e sussurrou-me "Mas é que está ali uma gaja muito boa, pá!". Eu, sacudi algumas gotas de água do fato de macaco, e fui-me embora sem apagar o post que nesta altura ainda não estava escrito mas já tinha sido condenado a nunca ver a luz do dia.
2 comentários:
Pois eu ponho-lhe a prosa mais prosaica. A última vez que vi uma "gaja mesmo boa", dessas que entram directo pela pupila e só páram nas hormonas, a sensação foi a de ter levado um directo no estômago. É extraordinário, esse efeito.
Então e um prtscn para nós darmos asas a nossa mente poética, era bem vinda :P
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