09 julho 2013

A placa

É de um egoísmo terrível, eu sei, de cada vez que se entra num quarto hospitalar que é duplo e se vê uma cama vazia, que não é a "nossa", que era de alguém de quem só conhecemos o nome numa placa de plástico. É de uma forma egoísta que suspiramos, que respiramos fundo e que pensamos que não foi hoje que foi a nossa vez de ser espancados pela vida de alguém que nos deixou. Há ali um sentimento de alívio, como se nos fosse concedido um saco de bolas extra. A principio, há quase um ano, ingenuamente processava esta informação sensorial como se o dono da placa tivesse simplesmente ido ali. Ou acolá. Mas aos poucos, fui coleccionando placas e nomes que não recordo porque o ritmo é demasiado grande e bruto. E desejo-lhes algo. Não sei bem o quê, mas algo que desejo também para mim no dia em que precisar de interrogar uma enfermeira com os olhos e a garganta num nó e que ela me responda num olhar fixo, encolha os ombros e me diga tudo sem falar. E piedosamente eu passo dois dedos sobre a placa que fica ali, estática e parva, a gritar pela ausência.

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